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sábado, 25 de setembro de 2010

SOBRE A BIBLIA - Neide Freire



Há poucos meses tivemos o privilégio de ouvir a poetisa REGINE LIMAVERDE discorrer com elegância e segurança de conhecimentos, sobre autores e livros famosos, modernos, contemporâneos, cujas mensagens nos entretiveram, instruiram ou edificaram no cumprimento de sua missão de "mestres mudos", na expressão feliz do mais famoso orador sacro de lingua portuguesa:o missionario jesuíta Pe. Antonio Vieira.
Os homens escrevem desde tempos imemoriais. O acervo cultural da humanidade conservou fragmentos de algumas obras geniais que registraram notícias de antigas civilizações, tais como:
o Bello Gálico de Cesar ou guerras gaulezas, História Romana de Livio, sem contar as poemas de Homero, de Virgilio, que parece, fugiram ao destino efêmero que os aguardava.
Os livros, como nós, tambem envelhecem e caducam seus argumentos. Até foi dito que são eles "a alma do tempo que passou". No entanto, anterior a todos, como a contrariar tal afirmação, um livro existe, que sobressai ostentando o selo divino de sua perenidade.
A Bíblia Sagrada, no desfilar dos milênios, tem resistido a conflitos, perseguições e exacerbado ceticismo.
A palavra BIBLIA, deriva do grego e significa ``o livro por excelência``. O radical Biblion está presente em algumas palavras do léxico de nosso idioma: Bibliografia, Biblioteca.
Para nomear o conjunto de livros que compõem as Escrituras Sagradas, o uso consagrou a palavra Bíblia. É longa e fascinante a história desse livro singular.
Escrito durante 1.400, ou sejam 14 séculos, mais ou menos 40 gerações. Em seu numeroso elenco de 40 autores encontram-se pessoas dos mais diferentes oficios:
pescadores como Pedro
generais como Josué
reis como Davi e Salomão
estadistas como Daniel
lideres como Moisés, educado na côrte do Faraó e instruído nos invulgares conhecimentos da cultura egípcia.
Esse livro maravilhoso foi escrito em lugares de notória disparidade:
Moisés, escreveu no deserto
Jeremias na masmorra
Daniel no palácio real da Babilônia
Paulo, na prisão,

outros em inusitados circunstâncias, em tempos de guerra em tempos de paz, na alegira e em profundo desespero.
A Bíblia, originalmente, foi escrita em três idiomas:
Hebraico, também chamado de língua Judaica ou língua de Canaã.
Aramaica - ou língua franca, falada no Oriente próximo, até ao tempo de Alexandre, o Grande
Grego - a língua do Novo Testamento, considerada internacional até o tempo de Cristo.
Entre os anos 280 e 130 a.C. foi feita a primeira versão do Antigo Testamento do hebraico para o grego, realizada por setenta sábios hebreus, convocados à Alexandria, pelo Rei Ptolomeu Filadelfo - essa versão ficou conhecida como SEPTUAGINTA.
A versão grego para o latim, a segunda a ser considerada é da autoria de São Jerônimo, é a famosa ``VULGATA LATINA``. Contanto tenha sido realizada sob a patrocínio do Papa Damaso, somente muitos anos depois, já no século V d.C., veio a obter aceitação.
Há ainda um versão, dita, SIRÍACA, que talvez haja sido a primeira tradução do Novo Testamento.
Na Idade Média, a partir do ano 1495, a Rainha Da. Leonor, esposa do D. João II de Portugal, promoveu a divulgação das Sagradas Escrituras em seu país.
Diversas versões foram feitas, mas destacou-se a tradução do Padre João Ferreira de Almeida, ainda publicada em nossos dias em edições com linguagem corrigida ou atualizada. Vertida para a língua portuguesa diretamente da vulgata latina, há a tradução do Pe. Matos Soares.
A Bíblia é composta de 66 livros ditos canônicos, distribuídos sob dois títulos: Antigo e Novo Testamento. O Antigo Testamento consta de 39 livros, classificados em cinco grupos, assim denominados:
PENTATEUCO - ou livros de Moisés; este grupo inclui 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, e Deuteronômio , ou segunda Lei.
12 livros Históricos
5 Livros Poéticos
5 Profetas Maiores
12 Profetas Menores.
O Novo Testamento também está agrupado em 5 divisões e se compõe de 27 livros:
4 Evangelhos, livros biográficos. Tratam da vida de Jesus desde seu nascimento até sua resurreição gloriosa
1 Histórico - o livro de Atos, testemunho da Igreja Primitiva ou néo-testamentária
13 Epístolas de Paulo
8 Epístolas Gerais
1 Livro Profético conhecido por Revelação ou Apocalipse e refere-se aos acontecimentos dos tempos finais.
O Antigo Testamento, o livro dos Começos ou Gênesis, nos fala dos dias da criação, do advento da humanidade. Entretanto, não há uma sequência cronológica que nos revele em número de anos a sucessão dos acontecimentos. O livro, porém, nos diz textualmente que Matusalém, o 7° depois de Adão viveu 969 anos e que ''no ano 600 da vida de Noé, neto de Matusalém, aos dezessete dias do segundo mês, romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram."
Era o dilúvio - narrativa Bíblica que nos remete a Hur dos Caldeus, cidade poderosa, rica na região da Mesopotâmia, a qual está ligada à história de Abrão, pai do povo hebreu, do qual foi dito ser sua existência uma das provas de que Deus existe.
A arqueologia através de suas pesquisas, após a decifração dos hieróglifos da pedra da Roseta da leitura da escrita cuneiforme, pelos sábios, Champolion e Henrique Rauler, respectivamente, tem comprovado a fidedignidade dos registros veterotestamentários.
Entre os livros poéticos, Provérbios nos ensina regras de pedagogia: "Não retires da criança a disciplina, pois se a fustigares com a vara não morrerá"; e continua: "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele".
O livro Eclesiastes envereda pelos lineares caminhos da justiça e nos adverte"Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal".
O livros dos Salmos - conjunto de 150 poesias, nas quais o homen se dirige a Deus com palavras de louvor, arrependimento e esperança. O livro dos Salmos é o cancioneiro dos povos cristãos.
O Novo Testamento é o resumo da história do Cristianismo. É a nova lei promulgada por Jesus Cristo quando disse "amai-vos uns aos outros como EU vos amei", e em outra ocasião "Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda Lei e os profetas".
Embora a evidência dessa sabedoria que transcende nosso limitado entendimento, as Sagradas Escrituras têm sido o alvo preferido de refutações, de ironias e desapreço.
Pensadores, cientistas, literatos, em inutil desafio, usam seus avantajados conhecimentos para desancar os ensinamentos que gerações têm seguido com fervor.
O famoso escritor francês Voltaire, ateu que era, anunciou a morte da Bíblia em fins do século 19. Karl Marx considerou a religião ópio do povo. Freud declarou ser a fé uma expressão de infantilidade. Darwin - buscou as raízes da origem humana na figuras ridícula de um suposto ancestral símia, desprezando frontalmente a declaração Bíblica "e disse Deus:façamos o homem à nossa imagem e semelhança". Nietzsche teve a ousadia de proclamar a morte de Deus. Mas, todos passaram. A Bíblia subsiste, diferente em sua essência de quantos livros têm vindo a público. Podemos chamá-la um livro "sui generis", porquanto tratando de muitos temas controversos, sua mensagem é única, harmoniosa e coerente.
Em sua numerosa viagem, através dos milênios, esse livro singular tem, de maneira inconteste, deixado sua marca nas expressões mais nobres de que é capaz a inteligência humana: na escultura, na literatura, na filosofia , na música.
Quem não se rende comovida ao ouvir a velha canção: "Noite Feliz" ou os acordes sublimes da "Ave Maria", de Gounod.
Embora se encontrem na Bíblia alusões a fatos científicos como no livro de Jó;"Quem move a terra de seu lugar; - Na profecia de Isaias "Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra ....Declaração anunciada dois mil e duzentos anos antes de Colombo descobrir a América.
Na primeira carta de São Paulo aos Coríntios está escrito "nem toda carne é a mesma; porém, uma é a carne dos homens, outra a dos animais, outra a das aves e outra a dos peixes E ainda, excursionando pelos obscuros caminhos da Astronomia, refere-se à magnitude do brilho estelar; "uma é a glória do Sol, outra a glória da Lua e outra a das Estrelas, porque entre estela e estrela há diferença de esplendor". Essa carta é datada de dois milênios atrás.
Todavia a Bíblia não é um tratado de Ciência. É um livro de fé. Impossível separar os acontecimentos históricos de sua conotação espiritual, mesmo porque cada ocorrência em nossas vidas se reporta a um antecedente Bíblico, prova da presença, quase sujbjacente de Deus na condução de seu universo, pois que, não obstante as maravilhosas conquistas alcançadas em todos os ramos da Ciência, ainda brilham na simpicidade de sua verdade, as palavras exordiais do Livro Santo:
"NO PRINCIPIO CRIOU DEUS OS CÉUS E A TERRA."


(Palestra proferida na reunião da AJEB-CE, dia 21/9/2010)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

SOLIDÃO - J. Udine


Amada, a solidão mora em tua alma!
És como a Lua em seu vagar, tristonha...
Vê se pensas em mim, mantendo a calma,
Na fantasia que tua alma sonha...

Sei que teu coração há muito abrasa...
Que sofres por amor tão triste dor...
Quem me dera possuir douradas asas
Para contigo estar teu beija-flor!...

Enquanto o tempo passa - vã espera -
A solidão, em plena primavera,
Não nos oferta a beleza das flores...

Então os nossos versos, mui tristonhos,
Não passam de elegias e de sonhos:
Somos amantes a sofrer de amores!...

POEIRA DE ESTRELAS - Maria Luísa Bomfim


Meus poemas são como galhos
emaranhados de uma planta.
Falam de alegria, tristeza, amor,
vida, decepção.
Os sentimentos brincam como ciranda
em minha volta,
caminhando errantes em meu pensamento,
para depois transformarem-se
em poeira de estrelas!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Confira a introdução do "Folha Explica Machado de Assis": por Alfredo Bosi

Machado de Assis é considerado o melhor romancista brasileiro. E, à medida que a sua obra for traduzida para as principais línguas cultas, crescerá a probabilidade de seu nome incluir-se entre os maiores narradores do século 19. A sua estatura ombreia-se com a de alguns contemporâneos que alcançaram renome internacional: Zola, Maupassant, Verga, Eça de Queirós, Thomas Hardy, Henry James, Tchekhov.

Entre nós, o reconhecimento do valor da ficção machadiana já se fez em vida do autor. Os principais críticos literários do seu tempo, Sílvio Romero e José Veríssimo, definiram --negativa e positivamente_- as linhas mestras da fortuna crítica. Um grande escritor, mas menos brasileiro do que seria de desejar: era a avaliação de Sílvio Romero1. Um escritor profundo, introspectivo, universal: era a consagração de Veríssimo, que fecharia a sua História da Literatura Brasileira (1916) com um longo capítulo sobre Machado. Assim, a mesma ênfase na excelência da sua escrita, qualidade que conquistaria o consenso de todos os leitores, dava margem a juízos diferenciados, conforme o critério fosse nacionalista ou estético.

A crítica posterior matizou e afinal corrigiu as avaliações restritivas de Sílvio, mostrando com fartos exemplos a presença do Brasil, sobretudo do Brasil fluminense, escravista e patriarcal, em toda a obra de Machado. Com o tempo, o que o patriotismo romântico achara escasso, o historicismo sociológico passou a considerar como a substância mesma das situações e das personagens construídas pelo romancista.

Convém repensar o problema. Os vários métodos de interpretação do texto ficcional já acumularam suficiente lastro teórico para não se regredir a visões estereotipadas de um dos criadores mais complexos da nossa literatura. A escrita de um grande narrador trava uma luta, às vezes em surdina, com certas vertentes ideológicas e estilísticas do seu meio e do seu tempo: daí ser preciso acompanhar de perto o seu ponto de vista, que não só representa como rearticula, exprime e julga a matéria da sua observação. A fortuna crítica de Machado nos ajuda a rever o mapeamento do seu universo (esfera da mimesis), mas também nos chama para compreender o pathos e o ethos peculiar que lhe deram uma voz inconfundível no coro dos nossos narradores.

Pouco depois da morte de Machado, em 1908, leitores atentos como Alcides Maia e Alfredo Pujol insistiram na presença do humor predominante na segunda fase da sua obra, que se abre nos anos de 1880 com as Memórias Póstumas de Brás Cubas e os contos de Papéis Avulsos. Influências inglesas foram igualmente apontadas por ambos, vindo sempre à baila os nomes de Swift (1667-1745) e Sterne (1713-68). Entretanto, menos do que a procedência européia, interessa notar a vinculação, que se constatou desde o início, do humor machadiano com a sua visão pessimista da História e da Natureza.

Uma leitura de cunho naturalista buscou na vida do autor as causas desse pessimismo: a timidez, a morbidez, certos traços esquizóides, a gagueira, distúrbios oculares, em suma "a doença e constituição de Machado de Assis", título da obra clínica de Peregrino Jr., datada de 1938. Mas, se hoje parece não ter restado nada, ou quase nada, dessas tentativas de etiologia do humor de Machado, ficou, sem dúvida, o reconhecimento da expressão artística de uma difusa melancolia que permeia os enredos e os comentários desenganados do narrador. O que caiu de moda, até segunda ordem, foi a identificação de uma gênese psicossomática desse tom fundamental.

Augusto Meyer e Barreto Filho

A melhor crítica dos decênios de 1930 a 1950 concentrou-se no significado imanente das formas do humor, do tédio e daquele nonsense joco-sério tão entranhado na linguagem da segunda fase de Machado. O que Augusto Meyer e Barreto Filho exploraram nos seus ensaios poderia ser descrito como tentativas de leitura fenomenológica, embora nenhum deles faça praça do método. A caracterização que Augusto Meyer faz do homem subterrâneo é, nesse sentido, exemplar2. Atrás da "pseudo-autobiografia" de Brás Cubas ou do conselheiro Aires, ambos forjadores de memórias, póstumas ou tardias, opera um espírito de dúvida ou negação que relativiza todas as certezas e deita por terra as mais caras ilusões do leitor daquele tempo e do nosso. É essa voz, ou, antes, são os "cochichos do nada", que o crítico-poeta soube escutar e nos transmitir.

Para tanto, forjou conceitos lapidares. Por exemplo, o "perspectivismo arbitrário" de Brás Cubas, matriz do capricho que alinhava bizarramente as confidências do defunto autor. Ou a "atenção divertida e frouxa" que o narrador de Esaú e Jacó dá aos sucessos políticos do fim do Império e do início da República, meros pretextos que bóiam à superfície do texto romanesco. Outros achados: "a necessidade da renovação pelo esquecimento", tema do Memorial de Aires, onde les morts vont vite (vão-se os mortos depressa) e com eles os velhos. Enfim, a ociosidade "como o verdadeiro clima da obra romanesca" nas páginas da maturidade --conceito rico que funde o social e o psicológico, mas que nos faz perguntar por que os pensamentos dos rentistas desocupados dos romances se parecem tanto com as reflexões céticas do próprio Machado de Assis cronista dos anos 1880 e 1890.

Com igual mestria, Augusto Meyer detém-se no trato analítico de personagens e situações, pondo em relevo o cinismo de Brás, "solteirão desabusado", a loucura progressiva de Rubião, a sensualidade coleante de Capitu, a perpétua hesitação de Flora. E, voltando como leitmotiv, aquela "nota monocórdia" do narrador, que intervém com digressões escarninhas ou apenas desconcertantes. Atento aos mínimos movimentos da escrita, Meyer desenhou o mapa interno da mina onde ainda hoje escavam os melhores leitores de Machado.

Em termos de interpretação, a leitura de Barreto Filho vale por ter-se fixado em um núcleo de significados: o espírito trágico que enformaria a obra inteira de Machado, guiando os destinos para a loucura, o absurdo e, no melhor dos casos, a velhice solitária3. A matéria-prima da análise existencial de Barreto Filho é o sentimento do tempo, que suscita indefectivelmente a pergunta sobre o sentido da vida e da morte. Assim, embora seja rica de informações históricas, a Introdução a Machado de Assis acaba situando o roteiro ficcional do autor em um plano metafísico. A mesma tendência já encontrara prenúncios em Afrânio Coutinho, autor de uma Filosofia de Machado de Assis (1940). Não foi essa, porém, a vertente predominante na segunda metade do século 20, quando se buscou dar solidez à figura de um Machado de Assis brasileiro, sensível às contradições de nossa história social.

A Construção De Um Machado Brasileiro

A íntima relação entre o escritor e a sociedade brasileira do seu tempo começou a ser desvendada, como era de esperar, mediante a exploração sistemática da sua biografia. A primeira, e até hoje a melhor de Machado de Assis, foi escrita em 1936, por uma romancista estimável, dotada de singular acuidade psicológica, Lúcia Miguel Pereira4. Embora o seu foco de interesse fosse, em primeiro lugar, o homem Machado com as suas peculiaridades de temperamento e caráter, a biógrafa teve o cuidado de marcar a situação de classe, que, no caso, se configurou como um fenômeno de passagem.

O menino Joaquim Maria nasceu em 1839, em uma quinta no morro do Livramento, de pai mulato (neto de escravos) e mãe vinda ainda criança dos Açores com a família que migrava. Era um casal de agregados que recebia trabalho e proteção de uma rica viúva, dona Maria José de Mendonça Barroso, cujo marido fora senador no Primeiro Reinado. Dona Maria José foi escolhida para madrinha de Joaquim Maria. Aos dez anos, o menino fica órfão de mãe e, aos 15, entra em sua vida a madrasta, Maria Inês, que era mulata como seu pai e que, segundo alguns biógrafos, teria sido uma verdadeira mãe. No entanto, e aqui começa a armar-se o esquema psicossocial de Lúcia Miguel Pereira, nem bem entrado na adolescência, Joaquim Maria sai da chácara e muda-se para a cidade, dando as costas definitivamente à família e ao subúrbio onde até então vivera como dependente.

O rapazinho iria superar, pelo talento e pelo mérito de um esforço ininterrupto, a barreira da classe social a que suas origens humildes poderiam tê-lo relegado. Mas não se cortam impunemente os laços com o passado: os seus primeiros romances modelariam personagens determinadas a subir na vida, como Guiomar, em A Mão e a Luva, e Iaiá Garcia, no romance de mesmo nome. A ambição, misturada com um tanto de ingratidão e dureza nas relações familiares, seria racionalizada e, a rigor, justificada pela voz do narrador como necessária à sobrevivência da personagem. Segundo a intérprete, as figuras femininas que lutam obstinadas para vencer naquele contexto patriarcal dos meados do século seriam travestimentos da alma do jovem Machado, que nelas projetaria o drama recalcado da sua própria ascensão social. Daí por diante, hipocrisia, ingratidão e, no limite, traição seriam motivos recorrentes nos seus romances. A dinâmica social se interioriza e se faz psicologia individual. O narrador tem aguda consciência das forças modeladoras do meio. Sem essa consciência, alerta e sofrida, não seria, aliás, possível a formação do humor machadiano, que morde e sopra, levanta a máscara e logo a afivela de novo para subtrair a evidência, mas deixando em pé a suspeita.

A interpretação de Lúcia Miguel Pereira tem o mérito, ainda hoje não excedido, de fundir classe social, posição do indivíduo e estrutura psicológica diferenciada sem inflar nenhum dos componentes dessa tríade, sinal de um equilíbrio de método que a crítica puramente sociológica e o psicologismo não conseguiriam alcançar.

A construção do Machado brasileiro teria uma carreira longa e afortunada. Para os que negavam a presença da natureza tropical no seu cenário fluminense, Roger Bastide, sociólogo dotado de fino tacto literário, compôs um ensaio notável (em 1940) realçando a força das descrições de paisagens em quase todas as suas narrativas. Para os que acusavam Machado de absenteísta ou alheio aos problemas nacionais, Astrojildo Pereira, pioneiro nos estudos marxistas brasileiros, escreveu uma série de textos que comprovam o permanente interesse de Machado pelos assuntos locais, além das suas sempre citáveis afirmações da "unidade nacional" e do "instinto de nacionalidade". O ensaio antológico "Romancista do Segundo Reinado", que é de 1939, acompanha de perto os nexos "entre o labor literário de Machado de Assis e o sentido da evolução política e social do Brasil".


(Folha online)