sábado, 20 de outubro de 2012
Blanchard Girão: Uma Canção Invisível
Mário
Quintana nos apresenta em seu poema O Mapa os seguintes versos:
“ Quando eu for, um dia desses,
Poeira
ou folha levada
No
vento da madrugada,
Serei
um pouco do nada
Invisível,
delicioso
Que
faz com que o teu ar
Pareça
mais um olhar,
Suave
mistério amoroso,
Cidade
de meu andar
(Deste
já tão longo andar!)
E
talvez de meu repouso...”
Hoje é um dia diferente, especialmente
diferente dos demais, porque temos diante de nós a grande responsabilidade de
reverenciar este que foi e continuará sendo a grande expressão do nosso
jornalismo, a matéria viva a discorrer os fatos com leveza, a voz plácida e
mansa revelando caminhos e abrindo fronteiras.
Blanchard Girão foi, sem dúvida, um
homem marcante. Sua presença se fazia extremamente necessária em qualquer
ambiente. Sempre foi um homem paciente e soube respeitar todas as opiniões que
lhe cercavam.
Num primeiro momento, poderia parecer
uma pessoa séria demais, mas a convivência com ele nos fazia perceber que era
além de profundamente inteligente, um formador de opinião incondicional, sua
arma maior, a comunicação, era seu escudo e a palavra sua espada, a conduzir as
atitudes e a empreender a imagem de um homem plácido e positivo.
Em 1964 teve o seu mandato de Deputado
Estadual cassado.
Diz-nos o Poeta Juarez Leitão: “E,
como não tivesse um dispositivo legal para lhe enquadrar e lhe tomar a
delegação do povo, a genuflexa e apavorada Assembleia Legislativa alegou que o
nosso elegante e gentil Blanchard Girão era um praticante contumaz da falta de
decoro parlamentar, talvez um desbocado, um arauto do baixo calão ou, quem
sabe, um menestrel das obscenidades. Nessa mesma lista de acusados de praticar
a inconveniência vocabular e moral figuraram outros ilustres deputados que a
sociedade conhecia como verdadeiros “varões de Plutarco”. Seus nomes, faço
questão de ressaltar nesta apresentação, estão entre os que enchem de dignidade
e orgulho a história de nossa terra: Pontes Neto, Aníbal Bonavides, Raimundo
Ivan Barroso, Amadeu Arrais, José Fiúza Gomes e Blanchard Girão.
Em dias do mês de junho, do ano de,
2001, a Assembleia Legislativa do Ceará, por iniciativa extremamente lúcida de
seu Presidente, Deputado Wellington Landim, reparou esta grande injustiça, este
inominável disparate histórico. Ali, de cabelos grisalhos, na seara da
maturidade, três daqueles deputados (Blanchard, Amadeu e Fiúza) eram acolhidos
para receber as desculpas da Casa do Povo pelo equívoco vergonhoso. Pontes
Neto, Aníbal e Raimundo Ivan, infelizmente, só através do remorso das rezas
podem ser alcançadas para o pedido de desculpas.”
O Senador Inácio Arruda lembra que
Blanchard Girão foi testemunha dos principais acontecimentos da história
recente do país, tendo sido protagonista de episódios marcantes na luta pela
democratização. Por isso, é que vemos nesse grande escritor uma figura marcante
e cheia de encantamento.
Era um homem honrado, que não atacava a
honra alheia e mesmo quando os momentos eram acirrados ele se desviava dos
infortúnios possíveis que isso pudesse lhe causar. Sua honestidade nunca foi
posta em dúvida porque sempre teve a identidade de um ser humano respeitado e
íntegro.
José Blanchard Girão Ribeiro, famoso
nas lides jornalísticas cearenses, fez vir a lume um livro que intitulou “Dr.Waldemar,
O Médico, O Político”, publicado em Fortaleza em abril de 1992, em que
traça uma análise sobre a vida e a obra daquele importante homem público
cearense, um dos fundadores da Faculdade de Medicina e um político de sucesso,
que alcançou o Senado Federal e o Governo do Estado.
O nobre jornalista Blanchard militou na
imprensa desde os 14 anos. Iniciou sua carreira na revisão da desaparecida
“Gazeta de Notícias” e percorreu as principais redações de jornais cearenses, praticando
também Publicidade e atividades no Rádio.
Dirigiu a Rádio Dragão do Mar, a partir
da sua fundação, em 1958, até se eleger Deputado Estadual no ano de 1962.
Blanchard era advogado, e quando perdeu seu mandato de Deputado passou a
praticar a advocacia, muito embora nunca tenha se afastado do jornalismo,
escrevendo sem assinar, quando a repressão lhe marcou cerradamente.
Ocupou várias funções junto ao
jornalismo: foi revisor, repórter, redator e exerceu função de chefia de
setores e o cargo de Editor-Chefe do Jornal O Povo. O imenso jornalista também
era formado em Letras, e, com essa sua formação, exerceu por um período, curto
diríamos, o magistério. Ocupou o cargo de Superintendente da Televisão
Educativa (TVE) e foi Subsecretário de Cultura e Desporto.
Blanchard Girão produziu muitas obras,
dentre elas uma muito importante, intitulada: Passageiros do Ontem e do
Sempre, livro que nos permite conhecer muitos fatos importantes de resgate
de uma história alimentada de recordações.
O poeta Juarez Leitão em noite de
prefácio e apresentação da referida obra assim fala sobre Blanchard: “Esta
noite estamos mais uma vez diante de BLANCHARD GIRÃO, um homem que tem o tempo
como a matéria-prima de sua escritura. O tempo, que outro poeta, Augusto dos
Anjos, chamou de ‘este operário da ruína’, nas mãos de Blanchard ganha fulgor e
vida, ilumina-se de paixão, solfeja saudades e ardentes emoções, chora e ri,
faz-se manhã e noite, canta pesaroso ou frenético com as coisas vivas
movimentando-se nas estações da sorte.
... Por isso é imensamente
compensador quando percorremos um livro como o que saudamos nesta noite, um
livro de relembranças, e nele encontramos o tempo sem mágoas e sem rancores,
cheio de luz intensa e altruísmo, das alegrias da infância, do calor da
família, da paz serena e doce que as velhas cantigas murmuravam em franco
enternecimento”.
A obra de Blanchard resgata cearenses
ilustres que “não estão devidamente lembrados pelo povo”, segundo o
autor. Esse homem que fala sobre saudade e nos leva a um passeio no céu,
despe-nos de todas as vaidades, de todos os absurdos, nos eleva a planos sem
limites de imaginação. Semeou benquerenças e se fez grande sem ser soberbo,
descortinou-se em vários segmentos da realidade artística, foi muitos em um e
percorreu outras estradas ao encontro do amor, achando a sua Cleide, que, como
ele mesmo dizia: “Era sua companheira leal e solidária”. Tiveram quatro
filhos: Luís Carlos, Ana Veruska, Marta Vanessa e Blanchard Filho, os frutos
bem produzidos desse amor que foi seu sustentáculo.
Foi ao longo de sua vida recompondo
seus pedaços e nos permitindo essa convivência saudável e amiga. Sua
inteligência nos provocava admirações e agradáveis devaneios. Suas histórias
nos permitiam viagens fantásticas. Só a mão encantada de um jornalista de seu
porte poderia mesmo nos emprestar ao longo da vida, outras vidas para que nelas
pudéssemos frutificar as nossas histórias, revisar nossa saudade, construir
nossos edifícios e restaurar as pontes destruídas.
O Livro, Passageiros do Ontem e do
Sempre é uma obra de arte criada por seu escultor que foi ao longo de um
tempo guardando boa argamassa para o preparo dessa que seria sua grande
construção.
Este livro é um documento vivo de fatos
marcantes de nossa história, sobre essa cidade encantada que ele viu se
transformar e conseguir cores novas, sobre essa Fortaleza mágica, Noiva do
Sol, brava e de filhos valentes, essa cidade esplendidamente poetizada pela
admiração do nosso Blanchard Girão.
Dividiu os capítulos deste livro com as
lembranças e suas saudades. Relembrou amigos e episódios em destaque vivo em
sua memória.
Muitas vezes deve ter regado seus
relatos com as lágrimas que o acompanharam nesses saudosos golpes. O próprio
autor explicando o livro em certa altura nos esclarece: “O livro é, pois,
uma viagem através desse roteiro na companhia de fulgurantes personalidades, a
quem procuro louvar e enaltecer, trazendo-as de volta à cena por meio de
episódios de que fui testemunha e, em alguns casos, participante. Trabalho que
debito às folhas da memória desgastada e à carência de um arquivo que pudesse
ter preservado tudo o quanto, por mais de meio século, pude acompanhar mais ou
menos de perto. Vale, contudo, como um projeto inicial, que fica no aguardo de
conclusão de minha parte ou de alguém mais capacitado a registrar os fatos e os
atores deste Século XX de tantas transformações e conquistas”.
Esta obra de Blanchard Girão poderia
ter sido um escrito amargo, lacrimoso, de sofrimento moral, de remorsos. Por
certo, não lhe faltariam razões, mas ele com sua inteligência peculiar resolveu
fazer deste depoimento um ato de gratidão, e conosco repartir suas emoções,
suas tristezas e suas alegrias. Tinha um ar melancólico, mas era um ser humano
extremamente doce e cauteloso; traduzia sentimentos de alegria, paciência, uma
pessoa dessas bem raras de se encontrar.
Li um fato interessante sobre ele, o
relato de um acontecimento de 1964, na Faculdade de Direito, que bem reflete a
bravura desse jornalista. “Por ocasião da formatura da turma de direito, o
único que não poderia estar na solenidade era Blanchard, porque era procurado
pela Polícia por causa de seus ideais de liberdade e se opor ao regime que se
instalava. Todos os alunos saíram do evento e foram a casa da vizinha em que
Blanchard estava escondido e exigiram que ele fosse a solenidade ou a Polícia teria
de prender a todos. Blanchard acabou indo à solenidade”.
Dentre os muitos contos infantis que
conheço há um que fala de um andarilho que tinha duas mochilas. Numa, ele
guardava as pedras que tropeçava e na outra ele guardava as flores que lhe
ofereciam perfume.
Quando lhe perguntavam por que as
pedras, ele dizia que os tropeços aceleravam a caminhada. Quando lhe
perguntavam por que as flores, ele dizia que o perfume atraía para os caminhos
mais prazerosos.
No fim da estrada ele se livrou da
mochila que pesava e continuou com aquela que tornava mais leve o seu caminhar.
Imaginamos que o nosso grande jornalista também carregava suas duas mochilas e
nesse seu trajeto, foi se livrando de muitas pedras e guardando muitas flores
que lhe perfumaram a vida. Teve por perto aqueles que estavam presentes nas
horas em que precisava de um sinal para dar mais um passo.
Lembro-me dele na festa de sessenta
anos da Sociedade de Assistência aos Cegos, onde naquela noite lançava o livro
“Ensinando a Ver o Mundo” e lembro-me principalmente, de como estava
feliz por poder escrever a história daquela Casa. Passara meses pesquisando e
nos apresentou àquela noite, um livro maravilhoso, em que minuciosamente
relatou episódios marcantes. E com que satisfação desfilou por aqueles jardins
exibindo sua cria e dividindo-a com todos os presentes.
Em uma carta de 11 de fevereiro de
1959, escreveu para, a então noiva, Cleide: “Talvez veja o mundo com que
sonhei sempre. Mas, meus filhos ou meus netos, tenho certeza, jogarão rosas
vermelhas sobre meu túmulo e dirão orgulhosos: Ele sempre pensou num mundo bom para todos”.
Perdemos em 25 de março do ano de 2007 o
talento imenso de Blanchard Girão, sua admirável convivência, sua inteligência
plena de lucidez e de leveza. Sua partida entristeceu o mundo jornalístico e
intelectual. A cidade ficou órfã e caiu sobre nós um vazio profundo, uma
angústia que veio sem aviso. Aquela notícia triste parecia não fazer sentido:
mas era a dura face da realidade irreparável. Numa hora ele estava ali, vivo, a
sorrir e conversar, a fazer planos de vida e de futuro. Num outro momento,
estava morto, tombado sem vida, desmanchado em total sossego e calma.
Ousadia é o que melhor define a atitude
histórica do povo cearense. Somos uma gente destemida, uma raça de audazes,
pois, como mostra a História, o Ceará não possui a reticência dos parvos, não
contorna os desafios nem teme os confrontos.
Sempre achamos um caminho para a meta
do horizonte desejado e, se o caminho não existe, nós o inventamos e pelo novo
rumo pomos em marcha a nossa criatividade, o nosso talento e essa garra
indômita de conquistadores. As fronteiras de nossa ousadia são, sem dúvida,
infinitas.
Edmilson Caminha assim falou sobre
Blanchard Girão: “Com a morte de Blanchard Girão, desaparecem não apenas o
jornalista brilhante, o político sério, o escritor de talento, mas também o ser
humano que, pela nobreza espiritual e pela generosidade dos sentimentos, fazia
o mundo melhor e a vida mais bela. Homem de imprensa, honrou o jornalismo
brasileiro, pela coragem pessoal e pela bravura cívica que o levaram a defender
a liberdade e a justiça a que todos os povos têm direito. Mais do que uma
simples lembrança, Blanchard nos deixou um legado e um exemplo. Legado de
sabedoria, de lucidez e de retidão intelectual, exemplo de cordialidade humana,
de solidariedade fraterna e de amor ao próximo. Morto, continuará, por isso, a
viver na saudade dos amigos e na memória de seu povo”.
Blanchard Girão se foi. Nada, porém,
conseguirá substituir essa grande ausência. A dor exerce sem pudor a sua
soberania. Porque, quando um escritor morre, todos ficamos mais pobres. Pobres
de vida, pobres de cor e som, pobres de símbolos, pobres de luz. Pobres de
tudo.
Quem o conheceu sabe que era portador
da sublimidade. Os amigos não se negam em proclamar suas altaneiras qualidades
humanas. Há neste mundo os que lutam pelo sucesso pessoal e se esforçam para
atingir um patamar de conforto e dignidade para si e para a sua família, o que
é justo, compreensível e natural. E Blanchard era assim. A morte de um homem
que fez tanto por nossa cultura deve ser lastimada pelo Ceará. Ele foi um
exemplo incentivador para os jovens, para os que têm vocação e se doam por
inteiro no ofício do aprendizado, do conhecimento.
Quando as novas gerações perguntarem
quem foi esse homem, a História terá a oportunidade de responder: Blanchard
Girão foi um grande jornalista, um excelente escritor, um imenso amigo, um
benfeitor do povo!
A história de vida desse homem nos
servirá sempre de exemplo, pois este mestre nos ensinou que ser bom e íntegro é
essencial. Sua mansuetude e serenidade nos davam lições a cada dia e nos
ensinava que saber esperar as transformações do tempo, melhora o ser humano em
todos os aspectos.
Blanchard passou a vida semeando o bem.
Talentoso e ativamente produtivo merecia ter se assentado numa cadeira da
Academia Cearense de Letras. Mas agora, é Patrono da cadeira 40 na Academia
Cearense de Literatura e Jornalismo, ocupada pelo jornalista Marcos André
Borges e por certo muito honra a Academia e aos acadêmicos, pois esse grande
homem além de excelente profissional foi um ser humano altaneiro que pôs sua
inteligência a serviço da honra, da dignidade e da cidadania.
MUITO OBRIGADA!!!!!
16.10.2012
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