ATUAL DIRETORIA AJEB-CE - 2018/2020

PRESIDENTE DE HONRA: Giselda de Medeiros Albuquerque

PRESIDENTE: Elinalva Alves de Oliveira

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2ª VICE-PRESIDENTE: Maria Argentina Austregésilo de Andrade

1ª SECRETÁRIA: Rejane Costa Barros

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2ª DIRETORA DE FINANÇAS: Rita Guedes

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DIRETORA DE PUBLICAÇÃO: Giselda de Medeiros Albuquerque

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CONSELHO

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Zenaide Marçal

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

CEARÁ-MIRIM - Berço de Lúcia Helena Pereira (ex-Presidente Nacional e Regional da AJEB)

A MATRIZ DE CEARÁ-MIRIM


A MENINA LÚCIA HELENA E OS PAIS - ÁUREA E ABEL - PARADIGMAS DAS FILHAS!

Sempre que volto à minha Ceará-Mirim, sinto-me renovada, animada, revigorada, como se aquela paisagem verde pudesse me restituir à fonte luminosa da minha infância de felicidade.
Entrei no vale com as mãos cheias de flores. Eram poemas de saudades lembrando, revendo coisas que o tempo não consegue apagar e ensinam, que nos vislumbres do passado, anjos nos cercam e apontam os caminhos que devemos seguir.
Não visitei o vale de manhã cedo, mas, após às 14 horas, onde permaneci por apenas uma hora e quarenta minutos, tempo suficiente para reencontrar o meu mundo imerso na distância, na saudade da saudade, fazendo-me chorar.
Fiz a minha peregrinação de felicidade ao percorrer a cidadezinha que me viu nascer. A nossa casa já não está naquela linda rua da Estação Rodoviária, em seu lugar, o grande e suntuoso estádio esportivo.
Joguei um casto beijo àquele lugar santo e minhas lágrimas traziam o cheiro dos jasmins e dos ricos pés de bogarís do jardim da nossa casa.
Revi, com os olhos do que o tempo apurou no meu espírito, a casa- grande, com seus pesados janelões, e o lindo telhado, com aquelas as duas bocas de jacaré (as bicas), por onde a chuva escoava como fontes borbulhando puras águas.
Estava acompanhada de uma prima muito querida. Enquanto ela saltou do carro e foi tratar com alguém, eu desci e me dirigi àquele espaço sagrado, onde havia sido construída a casa-grande dos meus pais. Meu olhar se iluminou, foi como se eu pudesse ver, através de um cosmorama "mágico", a minha casa de infância, com suas duas salas de frente, o piano de cauda, os dois lustres de cristal, a ceia larga de prata, os móveis, trabalhados... Sugeriu-me aos ouvidos, os passos do meu pai chegando da fazenda e beijando as cinco filhas: Marilene, Gipse (minha irmã que está no céu), Suely e Iara Maria. E sempre que me beijava a fronte, expandia o seu afeto: "minha Lucas"!
Revi, como que por encanto, minha mãe sentada em sua cadeira de balanço, com as mãos ágeis bordando filigranas de amor, ou costurando na velha Singer, ou mesmo na cozinha preparando a saborosa massa para as raivinhas e sequilhos (feitos de goma de mandioca), e outras coisas gostosas (nas quais, jamais encontrei o menor talento). Cheguei a sentir o cheiro dessas guloseimas exalando do grande fogão de alvenaria, com aquele forno em arco, adaptado para aquele tipo de fogão.
Imaginei, por minutos, a figura de minha babá - Regina Dias - fumando cachimbo, às escondidas, e, ao menor ruído, correndo para escondê-lo num buraco do muro do quintal.
Senti, com invejável alegria, o sabor dos finos doces mexidos pela neguinha Cícera, com aqueles seus olhos acatitados e as bolinhas de suor no nariz achatado. Ao mesmo tempo, ecoando como canções de amor, as vozes de Quincas e Lebre, empregados da casa, resmungando ou com suas conversas simplórias, tão inocentes, alargando sorrisos diante da passagem imponente de "Buá" - o trem!
A presença dos meus pais em minha vida foi sempre marcada pelas lições imperecíveis, pelo legado inexpugnável que me deram: a fonte eterna do amor, do recato ao lar, do respeito à condição humana.
Encerro essas linhas que a saudade me fez escrever, desejando ouvir o dobre dos sinos da Matriz de N.Sra. da Conceição, ou a Banda de Música tocando os seus incomparáveis dobrados. Encerro está página de recordações amorosas, como a ouvir o silêncio religioso do meu vale, o meu esconderijo perfeito, onde guardo a eterna paisagem de minha infância iluminada, onde uma criança aparece, com a alma leve e pura,a alma de criança prestes a entrar no templo sagrado da evocação e da poesia, quando sente a proximidade de Deus!

Lúcia Helena Pereira

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Crônica e os Cronistas - Zenaide Marçal

Vou tentar, num breve espaço de tempo, discorrer sobre estes dois assuntos, os quais são interligados. Iniciarei comentando alguns aspectos da crônica.
O conceito deste gênero literário é bastante variável. Em nota da Editora José Olympio, no livro - Elenco de Cronistas Modernos - encontramos o seguinte comentário: Se “conto é tudo que chamamos conto”, como dizia Mário de Andrade, tal definição se aplica ainda com mais propriedade à crônica moderna brasileira.
Na definição do jornalista Nilson Lage, “A crônica é um texto desenvolvido de forma livre e pessoal, a partir de um acontecimento da atualidade ou situações de permanente interesse humano. É gênero literário que busca ultrapassar, pelo tratamento artístico, o que é racionalmente deduzido dos fatos”.
Sabemos que a crônica apresenta as mesmas características do conto, porém este, tem começo, meio e fim, ao passo que à crônica o que interessa é um ponto central, culminante. Pode-se dizer que tem como qualidade principal ser um trecho curto, normalmente bem mais curto do que o conto, embora, dependa muito do autor a forma de classificá-los.
Assim, verificamos, em determinados autores, contos curtíssimos e, muitas vezes, crônicas um tanto mais longas. Não há, na verdade , um limite exato, que defina a sua classificação. Talvez haja uma sutil diferença na forma da narrativa mas, nem sempre é seguro nos atermos a isto para identificá-la. No normal das vezes ela tem entre duas a quatro páginas, mas isto, também, é plenamente variável. O que realmente importa numa crônica, é que ela, além de curta e leve, seja densa, sintetizando de forma compreensível os assuntos nela tratados.
Normalmente é narrada na primeira pessoa, e deixa clara, ou subentendida, a opinião do próprio cronista, e, se somos seus habituais leitores, chegamos até mesmo a conhecer pontos marcantes de sua personalidade.
Encontramos vários tipos de crônicas, muitas delas jornalísticas, e, por serem noticiosas, com o tempo, perdem mais facilmente o grau de interesse que despertam. Outras, originadas de fatos comuns do nosso dia-a-dia, mesmo que façam parte do trabalho diário, ou semanal, de um jornalista, são de caráter mais duradouro.
A maior parte das crônicas era editada apenas em jornais e revistas, publicações passageiras, e, por isto mesmo, consideradas um gênero efêmero. Atualmente, as crônicas, na sua maioria, têm caráter de permanência e são dignas de fazer parte do patrimônio literário do Brasil.
Seria bom se nós que gostamos de literatura, despertássemos para a riqueza de assuntos que temos para escrever. Quantos acontecimentos interessantes são, vez por outra, presenciados por nós; quantos pensamentos nos vêm de coisas simples que nos cercam, e os deixamos cair no esquecimento, perderem-se no fundo da memória!
Se observarmos os assuntos abordados pelos cronistas, veremos que eles não deixam fugir um fato interessante, por simples que seja, sem gravá-lo nos seus escritos. Senão, vejamos alguns títulos de crônicas: de Milton Dias – Assembléia de Cães, O fim do mundo, A mala; de Raquel de Queiroz – O telefone, Os Bondes, Andorinhas, etc. Assuntos corriqueiros que se tornam peças preciosas para leitura em horas de lazer.
Enquanto a poesia, para escrevê-la, precisamos ter inspiração poética, trazê-la na alma, a prosa, no caso a crônica, pede-nos apenas que a cultivemos através de leituras e de treinamento.
Notamos em algumas delas aflorar a alma poética do escritor, seja ele ou não, poeta declarado.
Na crônica o escritor sente-se à vontade para ir de um comentário a outro, dentro do assunto escolhido, podendo temperá-la com um pouco de humor ou de ironia, sem exageros, para que não fuja à leveza e à densidade por ela requeridas.
Quando lemos um romance, pode acontecer que, por um motivo ou outro, saltemos deliberadamente algumas passagens, de descrição, para chegar logo ao fim, e continuamos a leitura daquela narrativa sem que nos faça falta o trecho que deixamos de ler. Isto se deve ao caráter desse gênero de escrita, o romance, que se prolonga por um número bem maior de páginas. O mesmo não se pode fazer na crônica (nem no conto), porque cada palavra é importante no contexto, pois compensamos o espaço curto por uma forte intensidade de significação.
As crônicas, quando as escrevemos com o devido respeito às suas características, compensam o nosso esforço, sintetizam o nosso pensamento e se nos mostram pequenas, belas e de agradável leitura.
Na revista Ecrire Magazine, n°101 – 1° trimestre de 2008) um articulista diz que a divisa da crônica, como do conto, é a seguinte: Small is beautiful! (Petit c’est beau!); e, aí, compara um romance a um longo jantar, no qual podemos deixar algo no cantinho do prato e , a crônica seria como um sanduiche: não queremos perder uma migalha sequer. Concluindo, tudo o que nela está escrito importa para a compreensão e para a beleza do texto.
A Crônica, amigos, é tudo isto que falei e muito mais! Que o digam os cronistas.

Os cronistas – Antes de lhes falar sobre os cronistas, quero lembrar-lhes a quantidade imensa de escritores que se dedicam à crônica, a começar pelos jornalistas de modo geral. Citarei apenas alguns, na impossibilidade de nomear todos, sem que isto signifique desconhecê-los ou desprestigiá-los. Por falta de espaço, dei preferência aos escritores que têm real destaque no mundo da crônica, uns do cenário nacional e outros que fazem parte, também, da Literatura Cearense.
Entre os mais famosos escritores brasileiros muitos escreveram crônicas, embora tenham-se tornado célebres através dos seus romances, ou de outros gêneros literários. Entre estes estão: Machado de Assis, José de Alencar, Olavo Bilac, Manuel Bandeira e outros.

Alguns cronistas:

Luís Fernando Veríssimo –
Inácio de Loyola Brandão –
Paulo Mendes Campos –
Fernando Sabino – Mineiro, Jornalista, cronista dos mais competentes, suas crônicas são marcadas pelo senso de humor, muitas delas escritas em Londres, onde foi Adido Cultural na Embaixada do Brasil.
Eduardo Campos – Cearense - Jornalista , escritor, teatrólogo, membro da A.C.L. – Os Grandes Espantos; A volta do Inquilino do Passado, além de vários livros de contos.
João Jacques – Jornalista, ACL; ACI e Retórica
Ciro Colares – Cearense - Jornalista, trovador e cronista. – As Moças Não Fogem Mais Com o Circo (crônicas, poemas e trovas) é um dos seus m*livros mais interessantes.
Murilo Martins – Ex-presidente da ACL. Publicou vários livros de cunho científico e, outros, de crônicas: Medicina Meu Amor, e Navegando no Mar da Medicina.
Por falta de espaço de tempo para comentar um pouco mais a obra de cada um, escolhi somente quatro nomes, tarefa difícil no meio de tantos valores e, pelo mesmo motivo, darei apenas alguns traços biográficos de cada um deles.

Raquel de Queiroz- Grande escritora cearense, jornalista, romancista renomada, a primeira mulher a assumir uma cadeira na ABL. Pertenceu, também, à ACL. Publicou alguns livros de crônicas, as quais têm a característica de se confundirem com o conto, pela sua extensão. Nem é preciso dizer o quanto são bem escritas, porque escrever bem é a sua marca registrada. As crônicas de Raquel são, em grande parte, inspiradas em assuntos do sertão nordestino, contêm um forte apelo social, e alguma forma de humor. Sua obra, neste ano em que comemoramos o centenário do seu nascimento, tem sido alvo de muitos estudos e de conferências nas mais diversas instituições literárias. Raquel é um nome que honra a Terra Cearense e que nos envaidece.
Carlos Drumond de Andrade – Nasceu em Itabira, MG e morreu no Rio de Janeiro em 1987. Impossível dizer aqui toda a vida e a obra de Drumond. Ainda adolescente começou a colaborar em jornais e revistas de BH e do Rio. Trabalhou em vários jornais. Foi funcionário público em BH. Em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro. Escritor laureado recebeu prêmios da Sociedade Felipe d’Oliveira, da U.B.de Escritores e do PEN Clube do Brasil. .
Sua obra é muito ampla e se caracteriza pela excelência da linguagem, elegante e correta. Celebrizou-se, tanto pelo seu trabalho em prosa como pela sua poesia, tendo vasta criação em cada um desses gêneros.
Há humor e ironia nas suas crônicas as quais têm apelação de cunho sócio-político. Drumond chegou mesmo a criar um personagem representativo do cidadão brasileiro comum, suas dificuldades e sua forma de “driblar” a vida, e a quem deu o nome de João Brandão. Um dos seus livros de crônicas se intitula – Os Caminhos de João Brandão. Publicou ainda em crônicas: Os Dias Lindos, A Bolsa e a Vida, Cadeira de Balanço, Poder Ultra Jovem, e outros.
Milton Dias – No seu livro “Entre a Boca da Noite e a Madrugada, ele mesmo se define: “Na verdade, não sou mais do que um cronista que surpreende o cotidiano e o traz para a folha de jornal, de duração tão rápida. Não sou mais do que um sertanejo carregado de lembranças, que amealhou as estórias que ouviu por onde passou e as divide uma vez por semana com o respeitável público: memórias de noites indormidas, luz de sete-estrelo, pancada de mar, caminhos e madrugadas, (...)
Sou enfim simplesmente um cronista, ou se quiserdes, um contador das estórias e vivências que aprendeu por aí”.
Na crônica – Eu, Milton Dias, diz: “Eu gosto: de gente, crepúsculos e madrugadas, mar e montanha, cidade antiga, vinho tinto, viagem, música. Gosto de ler, reler e escrever. Sou perdido por uma boa conversa. Gosto da minha casa, meus cantos, minha rua, minha praça, e tudo o que me cerca. Gosto da solidão, quando a solicito e a detesto se me é imposta.
De amigas e amigos que são muitos estou, felizmente, muito bem abastecido”.
Deste escritor que engrandece o Ceará, direi que foi porfessor de Literatura Francesa da Faculdade de Letras da UFC, foi também, Chefe do Gabinete do reitor Martins Filho. Membro da ACL e do grupo Clã. Colaborador permanente do Suplemento Literário do Jornal O Povo, durante 25 anos. Foi condecorado pelo Governo Francês com a Ordem das Palmas Acadêmicas. Não cabe neste espaço tudo o que poderia ser dito do seu imenso e prestigioso currículo.
Rubem Braga – Cachoeiro do Itapemerim -ES – 1913 – 1990. Ingressou no jornalismo ainda estudante. Cronista, comentarista político e repórter. Trabalhou em diversos jornais em várias capitais brasileiras. Acompanhou a Força Expedicionária Brasileira à Itália, na II Guerra Mundial. Como correspondente de diversos jornais brasileiros fez a cobertura de importantes acontecimentos em vários países. Foi Embaixador do Brasil em Marrocos, Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago do Chile. Morou na Europa durante o ano de 1950, sempre como jornalista. Inovou a crônica, elevando-a à categoria de gênero de permanência literária. Conseguiu firmar-se como grande escritor na Literatura brasileira, exclusivamente como cronista. Sua prosa tem admirável simplicidade , com elevado teor poético e muito senso de humor.
Sua obra é bastante rica. Publicou seu primeiro livro – O Conde e o Passarinho – em 1936, e os últimos em 1986 – Crônicas da Guerra na Itália e O verão e as Mulheres. Foram cinquenta anos de publicações, somente de crônicas. Manuel bandeira o incluiu na Antologia de poetas Bissextos Contemporâneos.

Para lhes dar uma visão geral, farei a leitura de pequenos trechos extraídos de crônicas de cada um desses quatro cronistas:

Raquel – Fala de passarinhos:
“De manhã, com escuro, é o trocado da graúna, bem debaixo da janela. Canta cristalino, dobrado e redobrado, como polca de piano, daquelas do tempo da Chiquinha Gonzaga. [...] Na hora da sesta aparece, mas não é todo dia, um sabiá cantador. Vem por ali, senta no cajueiro, solta o canto. Mas assim que a gente se aproxima, embelezada, ele sai para mais longe, nas algarobas; esse tem temperamento e não gosta de estranhos”.
Fala da velhice –“Sim; é o que nos torna velhos, esse passado acumulado. Mas, além do passado, tem a preguiça, aquelas pernas elásticas de 20 anos atrás que hoje protestam quando sobem uma rampa de ladeira. Ou será o fôlego mais curto?”
Fala de amigos – “Respeite os seus amigos. Isso é essencial. Não procure influir neles, governá-los ou corrigi-los. Aceite-os como são. O lindo da amizade é a gente saber que é querida a despeito de todos os nossos defeitos”.
Fala da Morte – “Morrer com dignidade, porque morrer livre das indignidades da última hora é reivindicação minha, já de muitos anos. Em escritos, em conversas, em pedidos à família, venho rogando: não deixem que os médicos atrapalhem a minha morte. Na hora em que ficar desenganada, parem tudo, pelo amor de Deus”.
(...) E depois o repouso na terra velha da fazenda Califórnia, onde os meus já me esperam. Amém.
Na crônica - Pó ao Pó – ela fala de cremação e no final diz: “Joguem as minhas cinzas pelo mundo, porque o mundo todo eu amei; e talvez algum punhadinho seja levado pelo vento até o Ceará”.
Drumond – Fala de animais : Perde o Gato – (de nome Inácio)
“Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu - e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério. (...) Depois que sumiu Inácio, esses pedaços de casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato “funciona” em uma casa; em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio”.
Fala de insetos: A barata. Por que este velho tema (chamemo-lo assim) volta sempre à máquina de escrever e daí passa ao jornal e entra na casa de todo mundo? Ha mesmo, até, quem cultive um sentimentozinho de ternura pela barata. Pobre que ela é, desamparada, furtiva, aguardando a noite, o sono dos moradores , para cuidar da vida”.
Fala de saudade: “viver de saudades, é que de jeito nenhum. Lembrança preservada, lá isso é outra coisa”.
Fala de cronista: “Não pretendo fazer aqui a apologia do cronista, em proveito próprio. Reivindico apenas o direito ao espaço descompromissado, onde o jogo não visa ao triunfo, à reputação, à medalha; o jogo esgota-se em si, para recomeçar no dia seguinte, sem obrigação de sequência.”
Fala da Morte –“ A morte não será procurada, nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã”.

Milton Dias – Fala de animais – na crônica Assembléia de Cães.
“Esta noite houve um congresso de cães cá na minha praça - E tudo indica que os participantes não estavam se entendendo muito bem, a tirar pelos latidos indisciplinados e constantes, como se todos quisessem opinar ao mesmo tempo, balburdiando deliberadamente a assembléia”.

( Um gato) “ E respeitador, obediente, tímido, só começava a vida noturna depois de certa hora; então se esgueirava, saía discreto corria ao encontro da bem-amada, uma certa gata preta da vizinhança, de quem falavam muito mal e por quem chegou a passar uma noite fora de casa, contra seus princípios. Foi só esta vez, mas entrou de manhã tão desconfiado, tão humilhado, roçando as paredes, que ninguém ousou fazer-lhe um gesto de repreensão. Ao contrário, todos acharam que o pobre não teve culpa, há de ter sido tudo tentação daquela gata que era de má vida - estava na cara”.
Ainda sobre o gato:
(...) “vendo que sua presença me impedia de tirar o ferrolho, tive uma reação inesperada de distração, como se me dirigisse a uma pessoa humana: pedi licença”.
Fala da Crônica – “A idéia da crônica como um subgênero, gênero espúrio, está totalmente superada, já foi aceita como gênero independente pelos críticos mais recalcitrantes. Não é só escrevendo versos ou contos ou romance, que se pode fazer literatura”.
Fala de estrela: “Abro um instante a janela, consulto o céu: não há uma estrela, fugiram todas, me deixaram no mais completo abandono. Nem posso imitar o poeta que conversou com elas toda a noite, tresloucado amigo”.
Fala de Fortaleza: “Este meu amor a Fortaleza, infinito, incansável, leal e permanente, contraído há tanto tempo, este amor que eu guardo, cultivo e canto muito e sempre, (...) e a que só faltam versos, porque, ai de mim, não sou poeta”.
Fala de tardes de domingo: sei lá quantas tardes de domingo tenho cá nos guardados da memória, quantas sofri, quantas colecionei, são todas tristes, ah são tristes todas, as tardes de domingo, em qualquer lugar do mundo”.
Fala da velhice – “Também não é no espelho do meu quarto que eu vejo a minha idade, naquele inimigo pendurado que eu respeito e evito. (...) na pele, ai, meu Deus, na pele, a marca mais inegável, as rugas fazendo estrada, começando aquela fabricação de papel pergaminho.”
Fala da Morte: “Eu espero viver a vidinha sem mágoa, em paz com Deus e o mundo. Depois descansar à sombra de um pé-de-jambo, que me aguarda no Parque da Paz”.
Rubem Braga – Fala de animais – Refere-se aqui a um cachorro ainda do tempo da casa de seus pais, em Cachoeiro, e que era muito valente: “ Zig – ora direis - não me parece nome de gente mas de cachorro. E direis muito bem, porque Zig era cachorro mesmo. (...) A verdade é que Zig era capaz de abanar o rabo perante qualquer paisano que lhe parecesse simpático (poucos, aliás lhe pareciam) mas a farda lhe despertava os piores instintos. (...) Tão arrebatado na vida pública, Zig era, entretanto, um anjo do lar. Ainda pequeno tomou-se de amizade por uma gata e era coisa de elevar o coração humano ver como aqueles dois bichos dormiam juntos, encostados um ao outro. Um dia, entretanto, a gata compareceu com cinco mimosos gatinhos, o que surpreendeu profundamente Zig.
Ficou muito aborrecido, mas não desprezou a velha amiga e continuou a dormir a seu lado. Os gatinhos então começaram a subir pelo corpo de Zig, a miar interminavelmente.
(...) Quanto à minha mãe, ela sempre teve o cuidado de mandar prender o cachorro domingo pela manhã, quando ia à missa. Algumas vezes, entretanto, o bicho escapava (...) e, em menos de quinze minutos estava entrando na igreja apinhada de gente. Atravessava aquele povo todo até chegar diante do altar-mor, onde oito ou dez velhinhas recebiam, ajoelhadas, a Santa Comunhão. Zig se atrapalhava um pouco - e ia cheirando uma por uma , aquelas velhinhas todas, até acertar com a sua dona. Mais de uma vez uma daquelas boas velhinhas trincou a hóstia, gritou ou saiu a correr assustada, como se o nosso bom cão que a fuçava com o seu enorme focinho úmido, fosse o próprio Cão de fauces a arder. Mas que alegria de Zig quando encontrava, afinal, a sua dona! Latia e abanava o rabo de puro contentamento não a deixava mais”.
Fala do que escreve – “Cuida o leitor que estou escrevendo bobagens, e é certo. Mas eu sei das bobagens minhas, elas têm enredo íntimo”.
Fala da vida – “Meus arquivos, na sua desordem, não revelam apenas a imaginação desordenada e o capricho estranho da minha secretária. Revelam a desarrumação mais profunda, que não é de meus papéis, é de minha vida”.
Fala da mulher – “A natureza da mulher é assim feita não só da estrita carne e da voz, (...) há a substância improvisada de algas, nuvens e brisas; e mais. Um leve murmúrio de estrelas”.
Fala da morte: “Vocês desculpem tocar nesse assunto, mas a verdade é que está morrendo muita gente. Outro dia peguei por acaso num antigo caderninho de endereços que estava no fundo de uma gaveta, comecei a folhear e esfriei: quanto telefone de gente que já morreu!” (...) “o pior é que esse “lado de lá” vai aumentando, e se a gente se demorar muito por aqui acaba falando só”.

Muito mais teria a dizer-lhes e gostaria de convidá-los a descobrir a beleza da crônica, através da leitura de bons cronistas.
Antes de terminar, quero deixar patente a grande admiração , o grande respeito que sinto pelos cronistas, esses escritores que sendo portadores de currículos invejáveis, e tendo o reconhecimento unânime da crítica literária, não perdem a simplicidade.
As suas crônicas têm em comum a forma humanitária com que vêem as pessoas e os animais, e o modo como descobrem o ângulo incomum das coisas comuns, revelando a ternura que abrigam no mais fundo de suas almas.

Zenaide Braga Marçal – AJEB – CE
(Palestra pronunciada na reunião da AJEB, em 17/08/2010)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

DORME O POETA - Neide Azevedo Lopes


O gato esconde-se no sofá
E o jardim derrama-se em vermelho
A lesma vasculha o muro
E o jornal espalha notícias pela casa
O doce de cereja ferve em desespero
E a solitária xícara pede café
A poeira suja os pés da mesa
E a saudade passeia por cima das horas
Impaciente, a pena salta da gaveta
E o livro tomba em desalento.
O silêncio, junto a ti, também ressona
E a denúncia de uma longa espera
Cai sobre todas as coisas.
Tudo é tão quieto enquanto dormes,
Que ouço o escuro entrando pela porta...
(Teoria dos Afetos)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

SER PAI - José Wagner de Paiva Queiroz Lima




Ser Pai traz em si toda uma Simbologia...

Imagem consciente e inconsciente que trazemos conosco...

Arquétipo que as gerações cuidam em transmitir,

Do amigo que inspira proteção e confiança,

Modelo de exemplo a ser, paradoxalmente,
seguido e questionado,

Amparo compreensivo, amoroso e forte
nos momentos precisos,

Símbolo varão do trabalho honesto e da integridade interior,

Da experiência, da sabedoria, da poesia da Vida,

Da dedicação e persistência, da fé e da esperança...

Dos sonhos acalentados e da luta cotidiana...

Das mãos calejadas e dos cabelos grisalhos...

Do olhar e da mão amiga, do abraço acolhedor...

A Homenagem dos Filhos que hoje também são Pais.

(Psicólogo/Jornalista/escritor)