Antônio Filgueiras Lima, natural de Lavras da Mangabeira, histórica cidade do interior cearense, nasceu aos 21 de maio de 1909. Filho de Silvino Filgueiras Lima e Cecília Tavares Filgueiras: menino ainda descobriu seu destino de poeta: “Um dia olhei o céu, longe as estrelas / E eu tive uma vontade imensa de colhê-las / Estava desvendado o meu destino”.
Mas que vem a ser um poeta?
Poeta é aquele que, tendo a alma iluminada, é capaz de descobrir a beleza oculta nos velhos quadros da vida e transmiti-las num eflúvio de encantamento.
Talvez por um fio dourado desse encantamento, veio Filgueiras Lima a ser uma estrela, cuja cintilação de primeira grandeza, passados tantos anos de sua ausência, ainda ilumina o universo cultural do Ceará.
Mas, em seu fadário de poeta, estava uma outra destinação: o amor pedagógico que o comprometeu com a causa da educação no Ceará.
Em 1931, por concurso, efetivou-se no cargo de Inspetor Regional do Ensino, marco inicial da longa lista de suas atividades em favor da educação. Entre outros cargos de relevantes valores, foi Diretor de Instrução e Inspetor do Ensino Normal.
Concorrendo em disputadíssimo concurso, em 1933, classificou-se em primeiro lugar, conquistando a cadeira de Didática da Escola Normal Justiniano de Serpa, equiparada ao Colégio Padrão, Pedro II, no Rio de Janeiro, e, atualmente denominada Instituto de Educação. No ano anterior, isto é, em 1932, publicara seu livro de poesias “Festa de Ritmos”.
Orador, conferencista requisitado e aplaudido, indicado pelo Governador do Estado, representou o Ceará nas festas inaugurais do Edifício da Gazeta de São Paulo, pronunciando na ocasião eloqüente conferência sobre o célebre escritor cearense José de Alencar, considerado o pai do romance brasileiro.
Intelectuais paulistas pronunciaram-se em louvor à aludida conferência, sobressaindo-se o jornalista Plínio Cavalcante que assim se expressou: “Sobre a inteligência da terra mais brasileira do Brasil, nada direi, porquanto a palavra brilhante de Filgueiras Lima, ontem se revelou a São Paulo como fulguração de sua mocidade e harmoniosa beleza de sua poesia forte”.
O menino que, segundo o pai, “nascera para estudo”, projetou-se em seu tempo, pela dignidade de seus atributos cívicos e morais, evidenciado na urbanidade solidária de seu trato social, no fulgor de sua inteligência inteiramente voltada para seu misto de ideal de poeta e educador.
Vem à luz da publicidade, em 1944, seu livro intitulado “Ritmo Essencial”.
Diferente do clássico poeta cearense José Albano, que afirmou “Poeta fui e do áspero destino / Senti bem cedo a mão pesada e rude”/, Filgueiras Lima foi o poeta do ritmo e da alegria. Aprendeu bem cedo o “Ritmo Essencial” de seu jardim de “eternas rutilâncias” e promoveu a “Festa de Ritmos”, tirando da pauta musical da existência a fascinante beleza que envolve sua “Terra da Luz”.
“O sertão todo em flor esplende e cheira” assim legando aos pósteros o perfume lírico que ainda se exala de seu “Jardim Suspenso”.
Portador de inúmeros diplomas, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Estado do Ceará, não lhe seduzia o brilho solferino do anel nem a sisudez da Toga, mas optou pelo magistério obedecendo aos ditames de sua vocação cuja autenticidade revelou em apenas cinco palavras: “Fiz-me professor, nasci poeta”.
Admirável simbiose que festejou em versos “o ritmo essencial das “cousas límpidas e raras” que borbulhavam em sua alma de esteta unindo-as em mesmo ideal.
Tal o Midas mitológico cujo toque tudo transformava em ouro, nosso poeta que adorava os “céus azuis e as águas claras”, por descobrir a beleza de seu jardim de “excelsas rutilâncias”, tudo transformou em poesia inspirada e bela como no soneto “Samaritano”, ao louvar o amor: “Inda lhe sinto os cálidos ressábios / Foi o vinho do amor que me serviste / No cântaro rosado de teus lábios”.
Em “Desespero”, focaliza em versos doridos a terra natal na ocorrência cícicla que a flagela: “O sol caustica a face morena do sertão / A gente olha a estrada lá longe, / Numa curva distante do caminho / A caravana de párias nômades aparece”.
Em “Peregrino”, o Poeta descreve a trajetória ansiosa do viandante na busca ilusória do “aroma das cousas que não passam” “da água viva das fontes que não secam nunca”.
E, nessa busca incansável do absoluto, o poeta adentra o mundo da escola e faz de sua cátedra um genuflexório e diz: “Ensino como quem reza”.
Dessa devoção acendrada, emerge o compromisso do poeta com a escola.
Chega ao Ceará, em 1922, o pedagogo brasileiro Manoel Bergstron Lourenço Filho, adepto das idéias inovadoras pregadas pelo pedagogo e filósofo americano John Dewey.
O educador cearense adere à nova pedagogia e torna-se um paladino apaixonado do movimento, que ficou conhecido como Escola Nova, o qual correspondia perfeitamente ao ideal de ensino, porquanto considerava a escola daqueles dias, inoperante, retrógrada, estática, incapaz de suprir o aluno com a formação necessária a torná-lo participante útil de uma sociedade em evolução.
Embora sua esmerada formação sociopedagógica, Filgueiras Lima que, bem poderia ser contado entre os mais conceituados pedagogos brasileiros, como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Sul Menucci e outros, não foi um teórico da educação.
Associado ao jornalista, e depois deputado, Paulo Saraste, em 1938, abre as portas de seu recém-fundado Instituto Lourenço Filho, implantado sob os ditames filosóficos da nova pedagogia que ficou conhecida como Escola Nova ou Escola ativa, na qual, em torno do aluno e não do programa, giravam as atividades escolares.
O professor Filgueiras Lima realizou, então, no Ceará, a verdadeira Revolução Copernicana do ensino preconizada pelos mestres da moderna ciência pedagógica.
O Instituto Lourenço Filho, hoje Faculdade Lourenço Filho, é o atestado fidedigno do espírito empreendedor, desassombrado, do mestre, e do amor que dedicou à sua terra e à sua gente.
É a comprovação do sonho do poeta que fez da sala de aula o seu mais vibrante e eloqüente poema.
Recordá-lo, nesta data comemorativa do centenário de seu nascimento, rememorar o labor de sua vida dedicada à educação parece-nos ouvir, vindos de longe, no rolar do tempo, sussurros dos antigos sábios, mestres da filosofia que fez da Grécia “a mestra perdurável do pensamento humano” e levaram o poeta professor a exclamar de si mesmo: “Sou um grego de tempos esquecidos”.
(Trabalho apresentado na reunião da AJEB, dia 19 de maio e 2010, por Neide Freire, em comemoração do centenário de Filgueiras Lima).