ATUAL DIRETORIA AJEB-CE - 2018/2020

PRESIDENTE DE HONRA: Giselda de Medeiros Albuquerque

PRESIDENTE: Elinalva Alves de Oliveira

1ª VICE-PRESIDENTE: Gizela Nunes da Costa

2ª VICE-PRESIDENTE: Maria Argentina Austregésilo de Andrade

1ª SECRETÁRIA: Rejane Costa Barros

2ª SECRETÁRIA: Nirvanda Medeiros

1ª DIRETORA DE FINANÇAS: Gilda Maria Oliveira Freitas

2ª DIRETORA DE FINANÇAS: Rita Guedes

DIRETORA DE EVENTOS: Maria Stella Frota Salles

DIRETORA DE PUBLICAÇÃO: Giselda de Medeiros Albuquerque

CERIMONIALISTA: Francinete de Azevedo Ferreira

CONSELHO

Evan Gomes Bessa

Maria Helena do Amaral Macedo

Zenaide Marçal

DIRETORIA AJEB-CE - 2018-2020

DIRETORIA AJEB-CE - 2018-2020
DIRETORIA ELEITA POR UNANIMIDADE

sábado, 18 de dezembro de 2010

TROFÉU IRACEMA

Dia 14 deste dezembro, o programa cultural Terça-Feira em Prosa e Verso, criado e apresentado pelo jornalista Vicente Alencar, completou onze anos de apresentação ininterrupta. Para marcar a efeméride, foi outorgado o Troféu Iracema a três personalidades da cultura cearense: Francisco Lima Freitas (presidente da ALMECE), Zenaide Marçal (Ex-Presidente da AJEB-CE) e Cristiano Câmara (pesquisador cultural).


A Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil - AJEB/CE - sente-se honrada na pessoa de sua Ex-Presidente Zenaide Marçal, ao mesmo tempo em que parabeniza Vicente Alencar pelos onze anos de sua Terça-Feira em Prosa e Verso.

Zenaide Marçal e a atual Presidente da AJEB, Maria Luísa Bomfim


Zenaide Marçal e o jornalista Sérgio Bomfim






O agradecimento da homenageada

sábado, 11 de dezembro de 2010

ANIVERSÁRIO DE REJANE COSTA BARROS

Rejane e as amigas Zinah Alexandrino e Zenaide Marçal


Ela com Vicente Luiz e Dayse


Rejane e Aninha


A aniversariante com o casal Hissa e Vânia


Rejane com Dr. Gurjão e Marlene


Dia 9 de dezembro, no Capim Santo, Rejane reuniu seus amigos mais íntimos, para, juntamente com ela, celebrar seu aniversário.
Foi uma noitada alegre, regada a muita alegria, música, discurso, aplausos, drinques e, acima de tudo, AMOR.
Todos saíram dali certos de que Rejane é uma pessoa especialíssima e que estar no rol de seus amigos é uma honra inexcedível.
Parabéns, Rejane! Você merece toda a felicidade com que Deus lhe premiou.


Zenaide Marçal e Evan Bessa


Juarez Leitão, Giselda Medeiros e Tereza Porto


Heloísa, Rejane e Maria Luísa Bomfim


Gustavo, Rejane e Regine Limaverde


Vicente Alencar, a aniversariante e Maria Luísa Bomfim


A aniversariante entre o Deputado Paulo Facó e Juarez Leitão


O sorriso feliz de Rejane Costa Barros

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

POLICROMIAS - um collorarium de peças literárias






Boa noite a todos, senhores e senhoras presentes, a quem saúdo na pessoa da presidente da AJEB, Maria Luísa Bonfim.

Foi com satisfação que recebi e aceitei o convite da poeta Giselda Medeiros, presidente de honra e diretora de publicação da Associação de Jornalistas e Escritoras Brasileiras – AJEB – para apresentar este 6º volume da Coletânea Policromias, uma edição comemorativa do 40º aniversário da Associação.

Não poderia haver nome mais adequado do que Policromias para traduzir a multiplicidade de textos que compõem o volume. São variadas nuanças, numa diversidade de gêneros e estilos, como a compor um quadro de tonalidades e matizes, não de cores, mas de palavras que analisam, perquirem, contam, recontam, bordam histórias, falam de glórias e tecem sentimentos, encantos e desencantos, segredos e esperas.

O cronista angolano Carmo Neto diz que criar é um exercício de liberdade. De fato, quando se juntam experiências diversas desse exercício, tem-se o texto como fruição, como projeto estético ou como apenas catarse. Pouco importam intenções ou rótulos, a necessidade de quem escreve é também a de quem lê.

Nesse mesmo raciocínio sobre a criação, Walter Benjamim, ao referir-se a textos narrativos, disse: “O narrador conta o que ele extrai da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história”. O filósofo parece ter proferido essas palavras pensando na crônica; ou, talvez, pensasse na epístola, gênero praticamente desaparecido, que, não despretenciosamente, abre essa miscelânea literária. Falo da Carta de Beatriz Alcântara, cuja emoção nos arrebata e faz seguirmos com a narradora o tempestuoso percurso para enterrar os ossos dos avôs. Com ela, enfrentamos a procela e respiramos gratificados quando a missão é cumprida e resta a trivial realidade de um computador deixado ligado na tomada. Heloísa Barros Leal também incursiona pelo mesmo gênero, como Haroldo Lyra, com outras proposições.

A crônica, o mais simples e sublime exercício de partilha de experiências e observações, possibilita rápidas viagens aos universos criados pelos dedos de Evan Bessa, Zenaide Marçal, Nirvanda Medeiros, Ione Arruda, Ilnah Soares, Germano Muniz, Margarida Alencar, Rosa Firmo, Stella Furtado, Zinah Alexandrino, João de Deus, Vicente Alencar e Rosa Virgínia Carneiro, muitas vezes se confundindo com prosa poética. Talvez seja essa a forma de composição mais praticada na atualidade, “porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível”, como afirma Ivan Lessa. Vou além: a crônica satisfaz nossa ânsia de comunicação com o outro, não requer recursos estéticos, não enseja belicosos trabalhos de linguagem, constrói-se na simplicidade da nossa própria visão de mundo e nos dá a oportunidade de ser pessoais, sem sermos piegas, de celebrar o instante que passa, sem deixá-lo ir completamente.

O conto é outro exercício ficcional praticado pelos ajebianos e, nesta coletânea, vem representado pela criação de Regina Barros Leal, Evan Bessa, Ednilo Soárez e Celina Côrte Pinheiro. O ensaio também ocupa espaço nestas páginas; poetas e contistas saem da sua condição de criadores do texto literário para analisá-los ou discorrerem sobre a realidade circundante. Ebe Braga Frota fala sobre a educação como fator de progresso social; Giselda discorre sobre a trova; Maria Luisa Bonfim escreve sobre os poemas de Pablo Neruda; Francisco Carvalho analisa a poesia de Neide Azevedo; Maria Amélia Barros Leal investiga o universo ficcional de Moreira Campos e Claudio Queiroz percorre a ficção de Dostoiévski. O discurso, gênero essencialmente oratório, tem registro com peças de autoria de José Augusto Bezerra, João de Deus, Maria do Carmo Fontenelle e Eduardo Fontes.

Já a poesia, a composição escrita que mais se comunica com a alma, domina as páginas da coletânea, em versos de muitos contistas, cronistas e ensaístas já citados, bem como na inspiração de Rejane Costa Barros, Nilze Costa e Silva, Argentina Andrade, Lúcia Helena Pereira, Ana Paula de Medeiros, Manoel César, Regine Limaverde, Salete Passos Urano, Tereza Porto, Bernadete Sampaio, Clara Leda, Mary Ann Leitão Karan, Sabrina Melo, Viviane Fernandes, Maria Helena Macedo, Pereira de Albuquerque, Vital Arruda, J. Udine, Moacir Gadelha, Sérgio Macedo, Sílvio dos Santos Filho e Waldir Rodrigues. A eles se agregam os Poemas vencedores do IV Concurso Literário Professora Edith Braga, realizado pela AJEB-CE, em 2009, especialmente os três primeiros lugares conquistados por Sabrina Melo, Arleni Portelada e Francisco Bento Leitão Filho. Todos sabem, como Valtaire, que “O esplendor da relva só pode mesmo ser percebido pelo poeta. Os outros pisam nela”, ou seja, sabem da missão de descortinar o mundo que não se mostra a qualquer um, somente àqueles que trazem nos olhos a poesia que dorme nos seres e nas coisas.

Nesse corollarium de peças literárias, não há hierarquia nem juízo de valor. A moeda é a criação advinda da necessidade de confirmar a própria existência. Escrever sempre será um ato de liberdade e afinação com a vida; sempre será a projeção de um grito de dor ou prazer... ou apenas um grito que se quer ouvido. Parabéns à poeta Giselda pela organização da coletânea e a todos os participantes que, não tenho dúvida, entendem a vida pelo diálogo entre as palavras e os silêncios.

Obrigada!

Aíla Sampaio

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A AJEB-CE PARABENIZA REJANE COSTA BARROS POR SUA PREMIAÇÃO NO CONCURSO DE POESIA COSTA MATOS




EIS O POEMA CLASSIFICADO EM 1º LUGAR


ENIGMAS

Rejane Costa Barros

Saber-se assim, solta no vento,
é ter a sensação de que o pó da estrada
voou para longe.
Tenho chaves no peito que deságuam
minhas solidões
e vão abrindo os portões do meu celeiro.
O momento em que estou diante de ti
vem me destemperando a alma
e fazendo com que eu ouça o silêncio
aquele que amadurece as frutas
que vingam em meu corpo.
O mapa dos meus olhos
radiografa teus caminhos
e despe a cidade rasgando as pétalas do desejo.
Querer-te próximo
é roçar uma plantação de enigmas
ávidos caçadores de palavras
escrevendo poemas e soltando às estrelas
as desalinhadas promessas.
A noite se inscreve nessa história
como se o vinho temperasse a solidão
e abandonasse as escrituras,
jogasse ao chão as folhas mortas,
e rasgasse os absurdos, a falta de nexo, o desconsolo.
Minhas sombras estão impregnadas nas areias da memória
por ela vivo e dela me socorro.
Nas dúvidas do caminho interrompido e sem amarras
às vezes brotam em mim urtigas.
Na maioria das vezes, nascem em mim gerânios
que refletem imagens nas lâminas de vidro
pequenos depositários dos meus anseios.
Abrigo as estrelas e estendo as mãos
com melancólicos versos de cantigas do amor distante,
assim, aponto ao horizonte mirando os pássaros
do meu destino, em curvas delineadas pela fragilidade
com que o amor nos dilacera a alma, sangrando
os musgos da nossa existência!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

SAUDADE - Vicente Alencar


Dores profundas
momentos dificeis
lágrimas que caem.

Nuvens carregadas
céu bonito de chuva,
uma ausência sentida.

Lembranças alargadas,
saudades marcantes,
o passado é presente.

Há quase um choro
pois o pranto ameaça
e meus olhos embaçam.

(SÓCIO BENEMÉRITO DA AJEB)

domingo, 31 de outubro de 2010

EVAN BESSA ANIVERSARIA E BRINDA CONVIDADOS COM UM EXEMPLAR DE SEU LIVRO "VIVÊNCIAS DO COTIDIANO"








Evan Bessa, 1ª Vice-Presidente da AJEB-CE, aniversariou dia 29 de outubro.
Com bela e aconchegante recepção no Dallas Gril, ela recebeu seus convidados, ofertando a cada um deles um exemplar de "Vivências do Cotidiano", livro que traz crônicas sobre variados assuntos. Sempre respeitando as características da crônica, ou seja, brevidade, subjetividade, ambiguidade, diálogo, estilo entre o coloquial e o literário e temática do cotidiano, Evan Bessa transita nesse gênero com desenvoltura, estilo próprio, certa dose de humor, enfim, com um conjunto de ingredientes que deixa sua escrita aberta ao gosto do leitor. Podemos dizer que Evan Bessa é uma ficcionista do cotidiano, com uma porção de realidade e fantasia.
Parabéns, Evan. Toda a AJEB se envaidece por tê-la em suas fileiras.

Giselda Medeiros

terça-feira, 19 de outubro de 2010

NO SERTÃO BROTOU PALAVRA: A PALAVRA DE RACHEL



Ajebianas, Sócios Colaboradores
Senhoras, Senhores,

A literatura é destino e encantamento definitivo. Desde os salmistas bíblicos aos agentes da vanguarda contemporânea, os que escrevem obedecem a uma convocação. Um chamado definitivo e de tal modo irrecusável que ninguém ousa desobedecer, sob pena de ser atirado às cadeias eternas da loucura. Muitos, dentro da própria loucura, ainda produziram arte, numa prova categórica de que a propulsão para escrever é maior do que qualquer tragédia.
Da dor ou da alegria, da ternura ou da brutalidade, da objetividade explícita ou da subjetividade submersa, a palavra é a Estrada de Damasco, a conversão absoluta do homem comum num ser criador e, como tal, um parceiro de Deus.
Só a mão sedutora de um literato poderia convencer os judeus a sair do Egito para atravessar o deserto rumo aos rudes e áridos territórios da palestina, a Terra prometida, com a incrível descrição de que os cumes desolados da Judéia eram a “terra onde corria o leite e o mel”.
Só a mão primorosa de Shakespeare poderia traduzir tão artisticamente a nossa espécie, em Hamlet: “Que obra de arte é o homem! Tão nobre no raciocínio, tão vasto na capacidade. Em forma e em movimento, é como um Deus. A beleza do mundo, o exemplo dos animais!”
Só a mão lírica de Artur Eduardo Benevides poderia definir Fortaleza como a “Grande flor atlântica/plantada mais em nós do que no chão”.
A arte de traduzir sentimentos, descrever ou recriar realidades distingue certa casta de pessoas. Alguns com maiores atributos, outros com menor porte inventivo, todos, porém, descobridores e fazedores de mundos, pequenos ou grandes, por afeição do destino ou maldição dos deuses.
A inspiração é uma gravidez que acomete homens e mulheres. Pode ser abortada, interrompida, mas sempre acontecerão reincidências. Outras gestações haverão de chegar. E, uma vez pejada, a melhor solução é o parto. Alguns simplesmente confessam: escrevo ou morro.
Nem sempre encontramos a forma ideal de transmitir a ideia. Muitas vezes as interpretações críticas surpreendem os autores. Não fora aquela a intenção inicial. Cada olhar sobre o texto pode produzir uma nova história, porque os leitores é que realmente completam o trabalho do escritor.
Literatura é coisa muito séria. Através dela semeamos as uvas da esperança e restauramos as pontes destruídas, acendemos archotes nas noites tenebrosas e até recriamos a vida no inflexível corredor da morte.
A seca, a negligência administrativa, o desemprego, as oscilações do clima e as inconstâncias todas da terra nordestina levou-nos à sublimação poética, à fantasia ficcional, ao delírio da invenção literária. Pelos versos, pelas crônicas e pelos romances enganamos a fome, o medo e a dor.
Que Deus não nos negue pelo menos a compensação dos disfarces.
Hoje, minha emoção se multiplica ao falar sobre a inesquecível Rachel de Queiroz, dama maior da literatura brasileira e filha querida da Terra do Sol, paixão da minha infância e adolescência e admiração madura e consciente de minha formação literária.
É minha patrona na cadeira 15 da Academia Feminina de Letras do Ceará – AFELCE, o que muito me honra e me envaidece. Sua obra de romancista, cronista e teatróloga está entre as mais expressivas das letras nacionais de todos os tempos. Seu nome esplende entre os maiores criadores literários do país e, ultrapassando as fronteiras nacionais, seus livros foram traduzidos em muitas línguas e editados em vários países.
Cabe-lhe muito bem patronear uma cadeira em qualquer Academia, ainda mais a Feminina de Letras do Ceará porque Rachel é, assumidamente, uma criadora de perfis femininos. Em entrevista no ano de 1989 afirma: “Quase todas as minhas personagens importantes são mulheres. Mulheres destemidas. Elas, naturalmente, não representam a mulher forte que eu não consigo ser, mas a mulher forte que eu gostaria de ser.”
A professora Cleudene Aragão nos fala assim sobre Rachel: “A Rachel brasileira desvendava os caminhos tortuosos pelos quais o nordestino teve que passar para tentar a vida em outra terra, mas narrava, também, o modo como outros brasileiros, com os quais convivia e que aprendeu a conhecer através de seu trabalho literário, relacionar-se com o mundo”.
A relação da escritora cearense com o audiovisual não se pautou apenas por adaptações dos seus livros para o Cinema e a Televisão. Com participações pontuais e discretas, Rachel de Queiroz experimentou o trabalho de produção e roteiro em dois filmes brasileiros, entre eles, o primeiro do país a conquistar premiação em Cannes, na França. Rachel é autora de destaque na ficção social nordestina.
Nascida em Fortaleza, em 17 de novembro de 1910. Embora sua família tenha raízes em Quixadá, município onde a escritora mantinha parte da antiga propriedade de seu clã, a Fazenda Não Me Deixes. Rachel descendia pelo lado materno da estirpe caririense dos Alencar, parente, portanto de José de Alencar. Pelo lado paterno dos Queiroz, família fundamentalmente alicerçada em Quixadá e Beberibe, era filha do juiz Daniel de Queiroz e de Dona Clotilde Franklin de Queiroz.
Tinha apenas cinco anos quando a terrível “Seca do 15” varreu o Ceará, atingindo sobremaneira a região central, o que levou a família a emigrar para o Rio de Janeiro. No Rio, a família Queiroz pouco se demorou, transferindo-se para Belém do Pará, onde permaneceria por dois anos. Retornam ao Ceará, inicialmente para Guaramiranga e depois Quixadá. Em 1919 voltava o Doutor Daniel para Fortaleza. Rachel, em 1921, passou a estudar no Colégio da Imaculada Conceição, dirigido pelas Irmãs de Caridade, onde fez o Curso Normal, diplomando-se aos 15 anos, em 1925.
Repetir palavras de adultos era uma das coisas de que Rachel mais gostava. Ela reparava muito no palavreado dos mais velhos. Dona Clotilde, por exemplo, quando via a bagunça feita pela meninada, costumava dizer:
− Esse quarto está um caos!
Rachel achava linda aquela palavra e não tardou a aplicá-la em seu cotidiano. Tratou de inventar algo que combinasse com a dramaticidade da palavra e soltou entre os adultos:
− Estou com uma dor que é um caos!
Todos riram da menina! Tão pequena e já possuía uma dor sem tamanho! Ela ficou cismada com as risadas e não falou mais nada sobre as suas concepções de caos.
Meados do ano 1920, novidades na casa. A Irmã caçula Maria Luíza nascera.
A adolescente de 16 anos Rachel de Queiroz dividiu-se entre agulhas de bordar as roupinhas de pagão da recém chegada e maquinações para ousar o primeiro voo e enviar ao O Ceará, sob o pseudônimo de Rita de Queluz, uma carta aberta sobre a eleição da primeira Rainha dos Estudantes do Ceará.
O nome da pequena era uma homenagem à avó materna, falecida e cuja perda abateu Clotilde Franklin de Queiroz. A mãe de Rachel era uma pessoa muito romântica, levava tudo muito a sério, então, ficou de cama quando a mãe morreu. Rachel, então, tomou para ela a responsabilidade de cuidar da irmã e não gostava que ninguém lhe desse presentes, tudo tinha que ser feito por ela. No livro Tantos Anos, de memórias, que as duas irmãs escreveram juntas, a escritora conta que disputou com a mãe e com Antônia o direito de banhar a menina, de vesti-la, de passear com ela. E mesmo depois de casada, jamais abdicou de sua parcela de maternidade em relação à Isinha, nome carinhoso com o qual tratava a irmã, Maria Luíza.
O Professor e Mestre em Literatura, Miguel Leocádio, analisa a infância como rito de passagem da escritora. O amor à inocência, a descoberta da amizade, o início das relações sociais são características da infância que povoam a literatura de Rachel de Queiroz.
As cenas dantescas do sofrimento do povo do Ceará, mesmo daqueles mais afortunados, como seus pais, ficariam indelevelmente marcadas na memória da garota, que aos 20 anos, escreveria seu romance de estreia, “O Quinze”, que alcançou ampla repercussão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agitando a bandeira de fundo social, profundamente realista na dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e as agruras da seca, a escritora provinciana projeta-se na vida literária do país.
Lançado em Fortaleza, em 1930, numa edição de apenas mil exemplares, custeada pelo pai da escritora, logo que chegou às mãos dos grandes críticos despertou atenção incomum. Rachel teve seu romance premiado pela Fundação Graça Aranha, em 1931, o que a incentivou a dar continuidade à produção de um novo livro, “João Miguel”, em 1932. Daí em diante foi um luminoso caminho de sucesso e toda essa lavoura de livros que abismou a literatura nacional até os nossos dias.
Declarava-se uma operária das letras e trabalhava todos os dias, mesmo depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral.
A participação de Rachel de Queiroz na vida cultural do país é pontilhada de referências importantes. Durante 22 anos foi membro do Conselho Federal de Cultura. Representou o Brasil na 21ª Assembleia Geral da ONU, em 1966.
Foi convidada, embora tenha recusado pelo presidente Jânio Quadros, para assumir o Ministério da Cultura. A escritora foi distinguida com importantes prêmios literários, destacando aqui, três deles: o Prêmio Machado de Assis, o Prêmio Camões (equivalente ao Nobel, na língua portuguesa) e o Prêmio Jabuti, todos pelo conjunto da obra. Recebeu em 06 de dezembro do ano de 2000, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Sua eleição, em 04 de novembro de 1977 para a cadeira 5 da ABL, causou certo frisson nas feministas de então. Mas a reação da escritora ao movimento foi bastante moderado. Numa entrevista, em meio ao grande frenesi que sua nomeação causou, declarou: “Eu não entrei para a Academia por ser mulher. Entrei, porque, independentemente disso, tenho uma obra. Tenho amigos queridos aqui dentro, quase todos os meus amigos são homens, eu não confio muito nas mulheres”. Foi um choque anafilático no movimento feminista. Rachel foi saudada por Adonias Filho, sendo a quinta pessoa a ocupar a cadeira 5 e tendo por Patrono, Bernardo Guimarães.
Depois da aprovação, da entrada de mulheres na Academia e da eleição de Rachel, surgiu uma questão que era preciso resolver o mais rápido possível: o fardão. Para os homens, o fardão é uma casaca, inspirada nas antigas fardas do corpo diplomático. Feito de tecido verde-escuro com bordados a ouro representando louros. A roupa completa custa cerca de R$ 30.000 e pela tradição, o fardão deve ser dado de presente ao novo acadêmico pelo Governo do Estado onde ele nasceu. Para as mulheres esse fardão certamente não ficaria bem. O que fazer? Foi a própria Rachel quem solucionou o problema. Ela imaginou um vestido longo, do mesmo tecido do fardão masculino, mas com apenas discretos bordados dourados, representando os louros tradicionais.
O traje para as acadêmicas foi desenhado pela estilista Silvia de Souza Dantas, a partir das ideias de Rachel. Ela acrescentou palmas douradas nas mangas
em forma de sino e no decote V e nesgas plissadas na altura do joelho. Em lugar de uma espada, acessório dos escritores eleitos para a ABL, as acadêmicas exibem um colar. Com a chegada da primeira mulher à Academia, seus colegas tiveram que cuidar de outro detalhe, antes desnecessário: a construção de um reservado feminino, de que a sede da ABL não dispunha.
No dia de sua posse, a Academia segue todo um ritual de recepção para o novo acadêmico. Nesse dia, todos têm que comparecer usando o fardão. A solenidade acontece no Salão Nobre ou Salão Azul. O novo acadêmico, antes da posse, fica recolhido por alguns minutos no Salão Francês, uma pequena sala na entrada da Academia, fazendo uma reflexão antes do momento solene. Três acadêmicos vão buscá-lo e o acompanham até o Salão de Posse. À mesa principal, ficam sentados o presidente da ABL, o presidente da República ou seu representante, os chefes de missões estrangeiras e ministros de Estado. Cabe ao novo acadêmico após a saudação, fazer o discurso falando dos antecessores de sua cadeira.
O que de fato emocionou Rachel foi ocupar a cadeira que foi de Raimundo Correia, um poeta que ela tanto lera quando menina. A partir da posse, Rachel passou a fazer parte da Academia e nunca aceitou nenhum cargo de chefia na Instituição e avisou que não o faria desde o princípio. O que ela sempre gostou mesma na ABL foi o convívio, as conversas em torno do chá acadêmico que acontece todas as quintas-feiras, antes das sessões, pontualmente às três da tarde. A escritora nunca escondeu quem era o seu maior amigo da Academia: Austregésilo de Athayde, presidente por 34 vezes. Ela já escreveu sobre ele dizendo que tinha sempre “uma fala de mel, uma mão de veludo”.
Transparente, coerente e sincera, com a sensibilidade nordestina à flor da pele, Rachel ofereceu-nos sempre uma permanente lição de fidelidade à sua vida de contadora de histórias. Poucos autores conseguiram, melhor do que ela, escrever com tanta desenvoltura e simplicidade. Sua prosa é sóbria, coloquial e escorreita. Trafega límpida, fagueira, impávida, pelos olhos do leitor, sem transbordamentos, sem excessos e sem retumbâncias, dentro de uma narrativa não raro dramática, com enfoque especial contra os estamentos preconceituosos da aristocrática sociedade de então.
A Sra. Rosita Ferreira, que cuidou de Rachel por muitos anos, relatou que a primeira vez que foi ao Rio de Janeiro foi no ano de 1977 para a posse da escritora na ABL. Disse que a posse dela foi a coisa mais importante que já presenciou. Até às cinco da manhã tinha gente fazendo discursos. Rachel tomou posse no dia quatro de novembro de 1977 e, por coincidência, morreu no dia 04 de novembro de 2003.
Dona Rosita ia todos os anos ao Rio para o aniversário da escritora. A última vez foi e permaneceu até sua morte. Relata ainda que Rachel sabia que estava chegando a hora de partir, porque no dia em que faleceu chamou-a e disse: “Rosita, eu hoje vou preparar um banquete para os meus pais, meus irmãos, minha filha e meus maridos, hoje vou para o Ceará. Mas, nesta viagem você não me acompanha, vou só”.
Isso foi numa segunda-feira, dia 03 de novembro de 2003. Ainda em citação de dona Rosita fala que Rachel disse: “Já conversei neste instante lá nos Altos, está tudo acertado, eu vou morrer e vou direto para o Céu”. E a amiga Rosita abaixou-se e disse-lhe baixinho, ao ouvido dela: “Quem já viu herege ir para o Céu”? Ela riu e disse que não se preocupasse que já estava tudo acertado. Disse-lhe certa vez que se morresse no Rio de Janeiro queria ser enterrada no túmulo do segundo marido, Oyama, não queria ser enterrada no Mausoléu da Academia. Se morresse no Ceará queria ser enterrada na Fazenda Califórnia, no túmulo de seu pai. Dona Rosita ainda revela que Rachel mesmo sempre se dizendo sem religião, todas as noites se benzia e rezava o Pai-Nosso e a Salve-Rainha.
Na manhã do dia 03, levantou-se, tomou o café como de costume, almoçou à mesa, pois a irmã Maria Luíza já chegara de viagem. Nesse mesmo dia teve duas isquemias, o lado direito ficou paralisado. Às 22 horas pediu para ir à sua rede. Ficou conversando e não parava um só instante. Às duas e meia da manhã, Dona Rosita diz que pediu para ela dormir, pois deveria estar cansada, mas a escritora disse que não podia dormir com a angústia que sentia. Ao passar a mão em sua cabeça, dona Rosita percebeu que estava ensopada de suor. A acompanhante foi chamada e trocaram-lhe a roupa.
Colocaram colônia que ela muito gostava e tentaram chamar o médico, mas a própria Rachel dizia que médico não resolvia aquilo.
Assim que Dona Rosita deitou-se a acompanhante a chamou e disse: “Dona Rachel não falou mais nada, está parada”. Surpresa, pois falara com ela até pouco tempo foi até lá passou a unha na planta do pé da escritora e nada, imóvel. Ali ela teve certeza da partida de Rachel. Faleceu dormindo em sua rede. Logo veio o médico, mas já não havia mais nada a fazer. Rachel estava serena, os olhos fechados. Partiu como um anjo.

Ela desenhou o fardão da Academia e com ele foi sepultada.

Deixou, aguardando publicação, o livro Visões: Maurício Albano e Rachel de Queiroz, uma fusão de imagens do Ceará fotografadas por Maurício com textos de Rachel.

Senhoras, Senhores,

Sua morte, nos enviuvou deixando-nos um imenso sentimento de solidão. Mas seu nome será sempre uma luz forte na Terra do Sol e em todos os rincões deste imenso país, onde quer que se abra uma página de sua criação mágica.
Hoje nesta manhã de minha alegria é provável que seu espírito esteja vigiando minha responsabilidade ao falar sobre ela. Agradeço-lhes a atenção e digo que me sinto cercada por suas personagens, que haverão de me acompanhar pela vida inteira.
Neste ano de centenário de seu nascimento é preciso todas as homenagens a esta grande dama da literatura.

Encerrando minha fala, dá-me a impressão que este Auditório foi transformado num grande alpendre sertanejo, no alpendre da Fazenda NÃO ME DEIXES e que vieram estar conosco as Três Marias, Dôra Doralina, a Beata Maria de Araújo, a Donzela e a Moura Torta e a valente e guerreira Maria Moura.
E, assim, na companhia benfazeja de meus amigos e das filhas da imaginação criadora de Rachel de Queiroz, entre as brisas do mar e o fogo do sertão, proclamo a felicidade, ao término dessa conversa.

Muito Obrigada!

Rejane Costa Barros

(Palestra proferida na sessão ordinária da AJEB-CE, dia 19 de outubro de 2010)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VOCÊ ESTÁ CONVIDADO(A) PARA ESTE LANÇAMENTO


Dia 26 de outubro, a partir de 19h, no Ideal Club (área da piscina)
Apresentação do poeta e acadêmico José Telles
Show de Renato Assunção

sábado, 25 de setembro de 2010

SOBRE A BIBLIA - Neide Freire



Há poucos meses tivemos o privilégio de ouvir a poetisa REGINE LIMAVERDE discorrer com elegância e segurança de conhecimentos, sobre autores e livros famosos, modernos, contemporâneos, cujas mensagens nos entretiveram, instruiram ou edificaram no cumprimento de sua missão de "mestres mudos", na expressão feliz do mais famoso orador sacro de lingua portuguesa:o missionario jesuíta Pe. Antonio Vieira.
Os homens escrevem desde tempos imemoriais. O acervo cultural da humanidade conservou fragmentos de algumas obras geniais que registraram notícias de antigas civilizações, tais como:
o Bello Gálico de Cesar ou guerras gaulezas, História Romana de Livio, sem contar as poemas de Homero, de Virgilio, que parece, fugiram ao destino efêmero que os aguardava.
Os livros, como nós, tambem envelhecem e caducam seus argumentos. Até foi dito que são eles "a alma do tempo que passou". No entanto, anterior a todos, como a contrariar tal afirmação, um livro existe, que sobressai ostentando o selo divino de sua perenidade.
A Bíblia Sagrada, no desfilar dos milênios, tem resistido a conflitos, perseguições e exacerbado ceticismo.
A palavra BIBLIA, deriva do grego e significa ``o livro por excelência``. O radical Biblion está presente em algumas palavras do léxico de nosso idioma: Bibliografia, Biblioteca.
Para nomear o conjunto de livros que compõem as Escrituras Sagradas, o uso consagrou a palavra Bíblia. É longa e fascinante a história desse livro singular.
Escrito durante 1.400, ou sejam 14 séculos, mais ou menos 40 gerações. Em seu numeroso elenco de 40 autores encontram-se pessoas dos mais diferentes oficios:
pescadores como Pedro
generais como Josué
reis como Davi e Salomão
estadistas como Daniel
lideres como Moisés, educado na côrte do Faraó e instruído nos invulgares conhecimentos da cultura egípcia.
Esse livro maravilhoso foi escrito em lugares de notória disparidade:
Moisés, escreveu no deserto
Jeremias na masmorra
Daniel no palácio real da Babilônia
Paulo, na prisão,

outros em inusitados circunstâncias, em tempos de guerra em tempos de paz, na alegira e em profundo desespero.
A Bíblia, originalmente, foi escrita em três idiomas:
Hebraico, também chamado de língua Judaica ou língua de Canaã.
Aramaica - ou língua franca, falada no Oriente próximo, até ao tempo de Alexandre, o Grande
Grego - a língua do Novo Testamento, considerada internacional até o tempo de Cristo.
Entre os anos 280 e 130 a.C. foi feita a primeira versão do Antigo Testamento do hebraico para o grego, realizada por setenta sábios hebreus, convocados à Alexandria, pelo Rei Ptolomeu Filadelfo - essa versão ficou conhecida como SEPTUAGINTA.
A versão grego para o latim, a segunda a ser considerada é da autoria de São Jerônimo, é a famosa ``VULGATA LATINA``. Contanto tenha sido realizada sob a patrocínio do Papa Damaso, somente muitos anos depois, já no século V d.C., veio a obter aceitação.
Há ainda um versão, dita, SIRÍACA, que talvez haja sido a primeira tradução do Novo Testamento.
Na Idade Média, a partir do ano 1495, a Rainha Da. Leonor, esposa do D. João II de Portugal, promoveu a divulgação das Sagradas Escrituras em seu país.
Diversas versões foram feitas, mas destacou-se a tradução do Padre João Ferreira de Almeida, ainda publicada em nossos dias em edições com linguagem corrigida ou atualizada. Vertida para a língua portuguesa diretamente da vulgata latina, há a tradução do Pe. Matos Soares.
A Bíblia é composta de 66 livros ditos canônicos, distribuídos sob dois títulos: Antigo e Novo Testamento. O Antigo Testamento consta de 39 livros, classificados em cinco grupos, assim denominados:
PENTATEUCO - ou livros de Moisés; este grupo inclui 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, e Deuteronômio , ou segunda Lei.
12 livros Históricos
5 Livros Poéticos
5 Profetas Maiores
12 Profetas Menores.
O Novo Testamento também está agrupado em 5 divisões e se compõe de 27 livros:
4 Evangelhos, livros biográficos. Tratam da vida de Jesus desde seu nascimento até sua resurreição gloriosa
1 Histórico - o livro de Atos, testemunho da Igreja Primitiva ou néo-testamentária
13 Epístolas de Paulo
8 Epístolas Gerais
1 Livro Profético conhecido por Revelação ou Apocalipse e refere-se aos acontecimentos dos tempos finais.
O Antigo Testamento, o livro dos Começos ou Gênesis, nos fala dos dias da criação, do advento da humanidade. Entretanto, não há uma sequência cronológica que nos revele em número de anos a sucessão dos acontecimentos. O livro, porém, nos diz textualmente que Matusalém, o 7° depois de Adão viveu 969 anos e que ''no ano 600 da vida de Noé, neto de Matusalém, aos dezessete dias do segundo mês, romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram."
Era o dilúvio - narrativa Bíblica que nos remete a Hur dos Caldeus, cidade poderosa, rica na região da Mesopotâmia, a qual está ligada à história de Abrão, pai do povo hebreu, do qual foi dito ser sua existência uma das provas de que Deus existe.
A arqueologia através de suas pesquisas, após a decifração dos hieróglifos da pedra da Roseta da leitura da escrita cuneiforme, pelos sábios, Champolion e Henrique Rauler, respectivamente, tem comprovado a fidedignidade dos registros veterotestamentários.
Entre os livros poéticos, Provérbios nos ensina regras de pedagogia: "Não retires da criança a disciplina, pois se a fustigares com a vara não morrerá"; e continua: "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele".
O livro Eclesiastes envereda pelos lineares caminhos da justiça e nos adverte"Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal".
O livros dos Salmos - conjunto de 150 poesias, nas quais o homen se dirige a Deus com palavras de louvor, arrependimento e esperança. O livro dos Salmos é o cancioneiro dos povos cristãos.
O Novo Testamento é o resumo da história do Cristianismo. É a nova lei promulgada por Jesus Cristo quando disse "amai-vos uns aos outros como EU vos amei", e em outra ocasião "Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda Lei e os profetas".
Embora a evidência dessa sabedoria que transcende nosso limitado entendimento, as Sagradas Escrituras têm sido o alvo preferido de refutações, de ironias e desapreço.
Pensadores, cientistas, literatos, em inutil desafio, usam seus avantajados conhecimentos para desancar os ensinamentos que gerações têm seguido com fervor.
O famoso escritor francês Voltaire, ateu que era, anunciou a morte da Bíblia em fins do século 19. Karl Marx considerou a religião ópio do povo. Freud declarou ser a fé uma expressão de infantilidade. Darwin - buscou as raízes da origem humana na figuras ridícula de um suposto ancestral símia, desprezando frontalmente a declaração Bíblica "e disse Deus:façamos o homem à nossa imagem e semelhança". Nietzsche teve a ousadia de proclamar a morte de Deus. Mas, todos passaram. A Bíblia subsiste, diferente em sua essência de quantos livros têm vindo a público. Podemos chamá-la um livro "sui generis", porquanto tratando de muitos temas controversos, sua mensagem é única, harmoniosa e coerente.
Em sua numerosa viagem, através dos milênios, esse livro singular tem, de maneira inconteste, deixado sua marca nas expressões mais nobres de que é capaz a inteligência humana: na escultura, na literatura, na filosofia , na música.
Quem não se rende comovida ao ouvir a velha canção: "Noite Feliz" ou os acordes sublimes da "Ave Maria", de Gounod.
Embora se encontrem na Bíblia alusões a fatos científicos como no livro de Jó;"Quem move a terra de seu lugar; - Na profecia de Isaias "Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra ....Declaração anunciada dois mil e duzentos anos antes de Colombo descobrir a América.
Na primeira carta de São Paulo aos Coríntios está escrito "nem toda carne é a mesma; porém, uma é a carne dos homens, outra a dos animais, outra a das aves e outra a dos peixes E ainda, excursionando pelos obscuros caminhos da Astronomia, refere-se à magnitude do brilho estelar; "uma é a glória do Sol, outra a glória da Lua e outra a das Estrelas, porque entre estela e estrela há diferença de esplendor". Essa carta é datada de dois milênios atrás.
Todavia a Bíblia não é um tratado de Ciência. É um livro de fé. Impossível separar os acontecimentos históricos de sua conotação espiritual, mesmo porque cada ocorrência em nossas vidas se reporta a um antecedente Bíblico, prova da presença, quase sujbjacente de Deus na condução de seu universo, pois que, não obstante as maravilhosas conquistas alcançadas em todos os ramos da Ciência, ainda brilham na simpicidade de sua verdade, as palavras exordiais do Livro Santo:
"NO PRINCIPIO CRIOU DEUS OS CÉUS E A TERRA."


(Palestra proferida na reunião da AJEB-CE, dia 21/9/2010)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

SOLIDÃO - J. Udine


Amada, a solidão mora em tua alma!
És como a Lua em seu vagar, tristonha...
Vê se pensas em mim, mantendo a calma,
Na fantasia que tua alma sonha...

Sei que teu coração há muito abrasa...
Que sofres por amor tão triste dor...
Quem me dera possuir douradas asas
Para contigo estar teu beija-flor!...

Enquanto o tempo passa - vã espera -
A solidão, em plena primavera,
Não nos oferta a beleza das flores...

Então os nossos versos, mui tristonhos,
Não passam de elegias e de sonhos:
Somos amantes a sofrer de amores!...

POEIRA DE ESTRELAS - Maria Luísa Bomfim


Meus poemas são como galhos
emaranhados de uma planta.
Falam de alegria, tristeza, amor,
vida, decepção.
Os sentimentos brincam como ciranda
em minha volta,
caminhando errantes em meu pensamento,
para depois transformarem-se
em poeira de estrelas!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Confira a introdução do "Folha Explica Machado de Assis": por Alfredo Bosi

Machado de Assis é considerado o melhor romancista brasileiro. E, à medida que a sua obra for traduzida para as principais línguas cultas, crescerá a probabilidade de seu nome incluir-se entre os maiores narradores do século 19. A sua estatura ombreia-se com a de alguns contemporâneos que alcançaram renome internacional: Zola, Maupassant, Verga, Eça de Queirós, Thomas Hardy, Henry James, Tchekhov.

Entre nós, o reconhecimento do valor da ficção machadiana já se fez em vida do autor. Os principais críticos literários do seu tempo, Sílvio Romero e José Veríssimo, definiram --negativa e positivamente_- as linhas mestras da fortuna crítica. Um grande escritor, mas menos brasileiro do que seria de desejar: era a avaliação de Sílvio Romero1. Um escritor profundo, introspectivo, universal: era a consagração de Veríssimo, que fecharia a sua História da Literatura Brasileira (1916) com um longo capítulo sobre Machado. Assim, a mesma ênfase na excelência da sua escrita, qualidade que conquistaria o consenso de todos os leitores, dava margem a juízos diferenciados, conforme o critério fosse nacionalista ou estético.

A crítica posterior matizou e afinal corrigiu as avaliações restritivas de Sílvio, mostrando com fartos exemplos a presença do Brasil, sobretudo do Brasil fluminense, escravista e patriarcal, em toda a obra de Machado. Com o tempo, o que o patriotismo romântico achara escasso, o historicismo sociológico passou a considerar como a substância mesma das situações e das personagens construídas pelo romancista.

Convém repensar o problema. Os vários métodos de interpretação do texto ficcional já acumularam suficiente lastro teórico para não se regredir a visões estereotipadas de um dos criadores mais complexos da nossa literatura. A escrita de um grande narrador trava uma luta, às vezes em surdina, com certas vertentes ideológicas e estilísticas do seu meio e do seu tempo: daí ser preciso acompanhar de perto o seu ponto de vista, que não só representa como rearticula, exprime e julga a matéria da sua observação. A fortuna crítica de Machado nos ajuda a rever o mapeamento do seu universo (esfera da mimesis), mas também nos chama para compreender o pathos e o ethos peculiar que lhe deram uma voz inconfundível no coro dos nossos narradores.

Pouco depois da morte de Machado, em 1908, leitores atentos como Alcides Maia e Alfredo Pujol insistiram na presença do humor predominante na segunda fase da sua obra, que se abre nos anos de 1880 com as Memórias Póstumas de Brás Cubas e os contos de Papéis Avulsos. Influências inglesas foram igualmente apontadas por ambos, vindo sempre à baila os nomes de Swift (1667-1745) e Sterne (1713-68). Entretanto, menos do que a procedência européia, interessa notar a vinculação, que se constatou desde o início, do humor machadiano com a sua visão pessimista da História e da Natureza.

Uma leitura de cunho naturalista buscou na vida do autor as causas desse pessimismo: a timidez, a morbidez, certos traços esquizóides, a gagueira, distúrbios oculares, em suma "a doença e constituição de Machado de Assis", título da obra clínica de Peregrino Jr., datada de 1938. Mas, se hoje parece não ter restado nada, ou quase nada, dessas tentativas de etiologia do humor de Machado, ficou, sem dúvida, o reconhecimento da expressão artística de uma difusa melancolia que permeia os enredos e os comentários desenganados do narrador. O que caiu de moda, até segunda ordem, foi a identificação de uma gênese psicossomática desse tom fundamental.

Augusto Meyer e Barreto Filho

A melhor crítica dos decênios de 1930 a 1950 concentrou-se no significado imanente das formas do humor, do tédio e daquele nonsense joco-sério tão entranhado na linguagem da segunda fase de Machado. O que Augusto Meyer e Barreto Filho exploraram nos seus ensaios poderia ser descrito como tentativas de leitura fenomenológica, embora nenhum deles faça praça do método. A caracterização que Augusto Meyer faz do homem subterrâneo é, nesse sentido, exemplar2. Atrás da "pseudo-autobiografia" de Brás Cubas ou do conselheiro Aires, ambos forjadores de memórias, póstumas ou tardias, opera um espírito de dúvida ou negação que relativiza todas as certezas e deita por terra as mais caras ilusões do leitor daquele tempo e do nosso. É essa voz, ou, antes, são os "cochichos do nada", que o crítico-poeta soube escutar e nos transmitir.

Para tanto, forjou conceitos lapidares. Por exemplo, o "perspectivismo arbitrário" de Brás Cubas, matriz do capricho que alinhava bizarramente as confidências do defunto autor. Ou a "atenção divertida e frouxa" que o narrador de Esaú e Jacó dá aos sucessos políticos do fim do Império e do início da República, meros pretextos que bóiam à superfície do texto romanesco. Outros achados: "a necessidade da renovação pelo esquecimento", tema do Memorial de Aires, onde les morts vont vite (vão-se os mortos depressa) e com eles os velhos. Enfim, a ociosidade "como o verdadeiro clima da obra romanesca" nas páginas da maturidade --conceito rico que funde o social e o psicológico, mas que nos faz perguntar por que os pensamentos dos rentistas desocupados dos romances se parecem tanto com as reflexões céticas do próprio Machado de Assis cronista dos anos 1880 e 1890.

Com igual mestria, Augusto Meyer detém-se no trato analítico de personagens e situações, pondo em relevo o cinismo de Brás, "solteirão desabusado", a loucura progressiva de Rubião, a sensualidade coleante de Capitu, a perpétua hesitação de Flora. E, voltando como leitmotiv, aquela "nota monocórdia" do narrador, que intervém com digressões escarninhas ou apenas desconcertantes. Atento aos mínimos movimentos da escrita, Meyer desenhou o mapa interno da mina onde ainda hoje escavam os melhores leitores de Machado.

Em termos de interpretação, a leitura de Barreto Filho vale por ter-se fixado em um núcleo de significados: o espírito trágico que enformaria a obra inteira de Machado, guiando os destinos para a loucura, o absurdo e, no melhor dos casos, a velhice solitária3. A matéria-prima da análise existencial de Barreto Filho é o sentimento do tempo, que suscita indefectivelmente a pergunta sobre o sentido da vida e da morte. Assim, embora seja rica de informações históricas, a Introdução a Machado de Assis acaba situando o roteiro ficcional do autor em um plano metafísico. A mesma tendência já encontrara prenúncios em Afrânio Coutinho, autor de uma Filosofia de Machado de Assis (1940). Não foi essa, porém, a vertente predominante na segunda metade do século 20, quando se buscou dar solidez à figura de um Machado de Assis brasileiro, sensível às contradições de nossa história social.

A Construção De Um Machado Brasileiro

A íntima relação entre o escritor e a sociedade brasileira do seu tempo começou a ser desvendada, como era de esperar, mediante a exploração sistemática da sua biografia. A primeira, e até hoje a melhor de Machado de Assis, foi escrita em 1936, por uma romancista estimável, dotada de singular acuidade psicológica, Lúcia Miguel Pereira4. Embora o seu foco de interesse fosse, em primeiro lugar, o homem Machado com as suas peculiaridades de temperamento e caráter, a biógrafa teve o cuidado de marcar a situação de classe, que, no caso, se configurou como um fenômeno de passagem.

O menino Joaquim Maria nasceu em 1839, em uma quinta no morro do Livramento, de pai mulato (neto de escravos) e mãe vinda ainda criança dos Açores com a família que migrava. Era um casal de agregados que recebia trabalho e proteção de uma rica viúva, dona Maria José de Mendonça Barroso, cujo marido fora senador no Primeiro Reinado. Dona Maria José foi escolhida para madrinha de Joaquim Maria. Aos dez anos, o menino fica órfão de mãe e, aos 15, entra em sua vida a madrasta, Maria Inês, que era mulata como seu pai e que, segundo alguns biógrafos, teria sido uma verdadeira mãe. No entanto, e aqui começa a armar-se o esquema psicossocial de Lúcia Miguel Pereira, nem bem entrado na adolescência, Joaquim Maria sai da chácara e muda-se para a cidade, dando as costas definitivamente à família e ao subúrbio onde até então vivera como dependente.

O rapazinho iria superar, pelo talento e pelo mérito de um esforço ininterrupto, a barreira da classe social a que suas origens humildes poderiam tê-lo relegado. Mas não se cortam impunemente os laços com o passado: os seus primeiros romances modelariam personagens determinadas a subir na vida, como Guiomar, em A Mão e a Luva, e Iaiá Garcia, no romance de mesmo nome. A ambição, misturada com um tanto de ingratidão e dureza nas relações familiares, seria racionalizada e, a rigor, justificada pela voz do narrador como necessária à sobrevivência da personagem. Segundo a intérprete, as figuras femininas que lutam obstinadas para vencer naquele contexto patriarcal dos meados do século seriam travestimentos da alma do jovem Machado, que nelas projetaria o drama recalcado da sua própria ascensão social. Daí por diante, hipocrisia, ingratidão e, no limite, traição seriam motivos recorrentes nos seus romances. A dinâmica social se interioriza e se faz psicologia individual. O narrador tem aguda consciência das forças modeladoras do meio. Sem essa consciência, alerta e sofrida, não seria, aliás, possível a formação do humor machadiano, que morde e sopra, levanta a máscara e logo a afivela de novo para subtrair a evidência, mas deixando em pé a suspeita.

A interpretação de Lúcia Miguel Pereira tem o mérito, ainda hoje não excedido, de fundir classe social, posição do indivíduo e estrutura psicológica diferenciada sem inflar nenhum dos componentes dessa tríade, sinal de um equilíbrio de método que a crítica puramente sociológica e o psicologismo não conseguiriam alcançar.

A construção do Machado brasileiro teria uma carreira longa e afortunada. Para os que negavam a presença da natureza tropical no seu cenário fluminense, Roger Bastide, sociólogo dotado de fino tacto literário, compôs um ensaio notável (em 1940) realçando a força das descrições de paisagens em quase todas as suas narrativas. Para os que acusavam Machado de absenteísta ou alheio aos problemas nacionais, Astrojildo Pereira, pioneiro nos estudos marxistas brasileiros, escreveu uma série de textos que comprovam o permanente interesse de Machado pelos assuntos locais, além das suas sempre citáveis afirmações da "unidade nacional" e do "instinto de nacionalidade". O ensaio antológico "Romancista do Segundo Reinado", que é de 1939, acompanha de perto os nexos "entre o labor literário de Machado de Assis e o sentido da evolução política e social do Brasil".


(Folha online)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

CEARÁ-MIRIM - Berço de Lúcia Helena Pereira (ex-Presidente Nacional e Regional da AJEB)

A MATRIZ DE CEARÁ-MIRIM


A MENINA LÚCIA HELENA E OS PAIS - ÁUREA E ABEL - PARADIGMAS DAS FILHAS!

Sempre que volto à minha Ceará-Mirim, sinto-me renovada, animada, revigorada, como se aquela paisagem verde pudesse me restituir à fonte luminosa da minha infância de felicidade.
Entrei no vale com as mãos cheias de flores. Eram poemas de saudades lembrando, revendo coisas que o tempo não consegue apagar e ensinam, que nos vislumbres do passado, anjos nos cercam e apontam os caminhos que devemos seguir.
Não visitei o vale de manhã cedo, mas, após às 14 horas, onde permaneci por apenas uma hora e quarenta minutos, tempo suficiente para reencontrar o meu mundo imerso na distância, na saudade da saudade, fazendo-me chorar.
Fiz a minha peregrinação de felicidade ao percorrer a cidadezinha que me viu nascer. A nossa casa já não está naquela linda rua da Estação Rodoviária, em seu lugar, o grande e suntuoso estádio esportivo.
Joguei um casto beijo àquele lugar santo e minhas lágrimas traziam o cheiro dos jasmins e dos ricos pés de bogarís do jardim da nossa casa.
Revi, com os olhos do que o tempo apurou no meu espírito, a casa- grande, com seus pesados janelões, e o lindo telhado, com aquelas as duas bocas de jacaré (as bicas), por onde a chuva escoava como fontes borbulhando puras águas.
Estava acompanhada de uma prima muito querida. Enquanto ela saltou do carro e foi tratar com alguém, eu desci e me dirigi àquele espaço sagrado, onde havia sido construída a casa-grande dos meus pais. Meu olhar se iluminou, foi como se eu pudesse ver, através de um cosmorama "mágico", a minha casa de infância, com suas duas salas de frente, o piano de cauda, os dois lustres de cristal, a ceia larga de prata, os móveis, trabalhados... Sugeriu-me aos ouvidos, os passos do meu pai chegando da fazenda e beijando as cinco filhas: Marilene, Gipse (minha irmã que está no céu), Suely e Iara Maria. E sempre que me beijava a fronte, expandia o seu afeto: "minha Lucas"!
Revi, como que por encanto, minha mãe sentada em sua cadeira de balanço, com as mãos ágeis bordando filigranas de amor, ou costurando na velha Singer, ou mesmo na cozinha preparando a saborosa massa para as raivinhas e sequilhos (feitos de goma de mandioca), e outras coisas gostosas (nas quais, jamais encontrei o menor talento). Cheguei a sentir o cheiro dessas guloseimas exalando do grande fogão de alvenaria, com aquele forno em arco, adaptado para aquele tipo de fogão.
Imaginei, por minutos, a figura de minha babá - Regina Dias - fumando cachimbo, às escondidas, e, ao menor ruído, correndo para escondê-lo num buraco do muro do quintal.
Senti, com invejável alegria, o sabor dos finos doces mexidos pela neguinha Cícera, com aqueles seus olhos acatitados e as bolinhas de suor no nariz achatado. Ao mesmo tempo, ecoando como canções de amor, as vozes de Quincas e Lebre, empregados da casa, resmungando ou com suas conversas simplórias, tão inocentes, alargando sorrisos diante da passagem imponente de "Buá" - o trem!
A presença dos meus pais em minha vida foi sempre marcada pelas lições imperecíveis, pelo legado inexpugnável que me deram: a fonte eterna do amor, do recato ao lar, do respeito à condição humana.
Encerro essas linhas que a saudade me fez escrever, desejando ouvir o dobre dos sinos da Matriz de N.Sra. da Conceição, ou a Banda de Música tocando os seus incomparáveis dobrados. Encerro está página de recordações amorosas, como a ouvir o silêncio religioso do meu vale, o meu esconderijo perfeito, onde guardo a eterna paisagem de minha infância iluminada, onde uma criança aparece, com a alma leve e pura,a alma de criança prestes a entrar no templo sagrado da evocação e da poesia, quando sente a proximidade de Deus!

Lúcia Helena Pereira

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Crônica e os Cronistas - Zenaide Marçal

Vou tentar, num breve espaço de tempo, discorrer sobre estes dois assuntos, os quais são interligados. Iniciarei comentando alguns aspectos da crônica.
O conceito deste gênero literário é bastante variável. Em nota da Editora José Olympio, no livro - Elenco de Cronistas Modernos - encontramos o seguinte comentário: Se “conto é tudo que chamamos conto”, como dizia Mário de Andrade, tal definição se aplica ainda com mais propriedade à crônica moderna brasileira.
Na definição do jornalista Nilson Lage, “A crônica é um texto desenvolvido de forma livre e pessoal, a partir de um acontecimento da atualidade ou situações de permanente interesse humano. É gênero literário que busca ultrapassar, pelo tratamento artístico, o que é racionalmente deduzido dos fatos”.
Sabemos que a crônica apresenta as mesmas características do conto, porém este, tem começo, meio e fim, ao passo que à crônica o que interessa é um ponto central, culminante. Pode-se dizer que tem como qualidade principal ser um trecho curto, normalmente bem mais curto do que o conto, embora, dependa muito do autor a forma de classificá-los.
Assim, verificamos, em determinados autores, contos curtíssimos e, muitas vezes, crônicas um tanto mais longas. Não há, na verdade , um limite exato, que defina a sua classificação. Talvez haja uma sutil diferença na forma da narrativa mas, nem sempre é seguro nos atermos a isto para identificá-la. No normal das vezes ela tem entre duas a quatro páginas, mas isto, também, é plenamente variável. O que realmente importa numa crônica, é que ela, além de curta e leve, seja densa, sintetizando de forma compreensível os assuntos nela tratados.
Normalmente é narrada na primeira pessoa, e deixa clara, ou subentendida, a opinião do próprio cronista, e, se somos seus habituais leitores, chegamos até mesmo a conhecer pontos marcantes de sua personalidade.
Encontramos vários tipos de crônicas, muitas delas jornalísticas, e, por serem noticiosas, com o tempo, perdem mais facilmente o grau de interesse que despertam. Outras, originadas de fatos comuns do nosso dia-a-dia, mesmo que façam parte do trabalho diário, ou semanal, de um jornalista, são de caráter mais duradouro.
A maior parte das crônicas era editada apenas em jornais e revistas, publicações passageiras, e, por isto mesmo, consideradas um gênero efêmero. Atualmente, as crônicas, na sua maioria, têm caráter de permanência e são dignas de fazer parte do patrimônio literário do Brasil.
Seria bom se nós que gostamos de literatura, despertássemos para a riqueza de assuntos que temos para escrever. Quantos acontecimentos interessantes são, vez por outra, presenciados por nós; quantos pensamentos nos vêm de coisas simples que nos cercam, e os deixamos cair no esquecimento, perderem-se no fundo da memória!
Se observarmos os assuntos abordados pelos cronistas, veremos que eles não deixam fugir um fato interessante, por simples que seja, sem gravá-lo nos seus escritos. Senão, vejamos alguns títulos de crônicas: de Milton Dias – Assembléia de Cães, O fim do mundo, A mala; de Raquel de Queiroz – O telefone, Os Bondes, Andorinhas, etc. Assuntos corriqueiros que se tornam peças preciosas para leitura em horas de lazer.
Enquanto a poesia, para escrevê-la, precisamos ter inspiração poética, trazê-la na alma, a prosa, no caso a crônica, pede-nos apenas que a cultivemos através de leituras e de treinamento.
Notamos em algumas delas aflorar a alma poética do escritor, seja ele ou não, poeta declarado.
Na crônica o escritor sente-se à vontade para ir de um comentário a outro, dentro do assunto escolhido, podendo temperá-la com um pouco de humor ou de ironia, sem exageros, para que não fuja à leveza e à densidade por ela requeridas.
Quando lemos um romance, pode acontecer que, por um motivo ou outro, saltemos deliberadamente algumas passagens, de descrição, para chegar logo ao fim, e continuamos a leitura daquela narrativa sem que nos faça falta o trecho que deixamos de ler. Isto se deve ao caráter desse gênero de escrita, o romance, que se prolonga por um número bem maior de páginas. O mesmo não se pode fazer na crônica (nem no conto), porque cada palavra é importante no contexto, pois compensamos o espaço curto por uma forte intensidade de significação.
As crônicas, quando as escrevemos com o devido respeito às suas características, compensam o nosso esforço, sintetizam o nosso pensamento e se nos mostram pequenas, belas e de agradável leitura.
Na revista Ecrire Magazine, n°101 – 1° trimestre de 2008) um articulista diz que a divisa da crônica, como do conto, é a seguinte: Small is beautiful! (Petit c’est beau!); e, aí, compara um romance a um longo jantar, no qual podemos deixar algo no cantinho do prato e , a crônica seria como um sanduiche: não queremos perder uma migalha sequer. Concluindo, tudo o que nela está escrito importa para a compreensão e para a beleza do texto.
A Crônica, amigos, é tudo isto que falei e muito mais! Que o digam os cronistas.

Os cronistas – Antes de lhes falar sobre os cronistas, quero lembrar-lhes a quantidade imensa de escritores que se dedicam à crônica, a começar pelos jornalistas de modo geral. Citarei apenas alguns, na impossibilidade de nomear todos, sem que isto signifique desconhecê-los ou desprestigiá-los. Por falta de espaço, dei preferência aos escritores que têm real destaque no mundo da crônica, uns do cenário nacional e outros que fazem parte, também, da Literatura Cearense.
Entre os mais famosos escritores brasileiros muitos escreveram crônicas, embora tenham-se tornado célebres através dos seus romances, ou de outros gêneros literários. Entre estes estão: Machado de Assis, José de Alencar, Olavo Bilac, Manuel Bandeira e outros.

Alguns cronistas:

Luís Fernando Veríssimo –
Inácio de Loyola Brandão –
Paulo Mendes Campos –
Fernando Sabino – Mineiro, Jornalista, cronista dos mais competentes, suas crônicas são marcadas pelo senso de humor, muitas delas escritas em Londres, onde foi Adido Cultural na Embaixada do Brasil.
Eduardo Campos – Cearense - Jornalista , escritor, teatrólogo, membro da A.C.L. – Os Grandes Espantos; A volta do Inquilino do Passado, além de vários livros de contos.
João Jacques – Jornalista, ACL; ACI e Retórica
Ciro Colares – Cearense - Jornalista, trovador e cronista. – As Moças Não Fogem Mais Com o Circo (crônicas, poemas e trovas) é um dos seus m*livros mais interessantes.
Murilo Martins – Ex-presidente da ACL. Publicou vários livros de cunho científico e, outros, de crônicas: Medicina Meu Amor, e Navegando no Mar da Medicina.
Por falta de espaço de tempo para comentar um pouco mais a obra de cada um, escolhi somente quatro nomes, tarefa difícil no meio de tantos valores e, pelo mesmo motivo, darei apenas alguns traços biográficos de cada um deles.

Raquel de Queiroz- Grande escritora cearense, jornalista, romancista renomada, a primeira mulher a assumir uma cadeira na ABL. Pertenceu, também, à ACL. Publicou alguns livros de crônicas, as quais têm a característica de se confundirem com o conto, pela sua extensão. Nem é preciso dizer o quanto são bem escritas, porque escrever bem é a sua marca registrada. As crônicas de Raquel são, em grande parte, inspiradas em assuntos do sertão nordestino, contêm um forte apelo social, e alguma forma de humor. Sua obra, neste ano em que comemoramos o centenário do seu nascimento, tem sido alvo de muitos estudos e de conferências nas mais diversas instituições literárias. Raquel é um nome que honra a Terra Cearense e que nos envaidece.
Carlos Drumond de Andrade – Nasceu em Itabira, MG e morreu no Rio de Janeiro em 1987. Impossível dizer aqui toda a vida e a obra de Drumond. Ainda adolescente começou a colaborar em jornais e revistas de BH e do Rio. Trabalhou em vários jornais. Foi funcionário público em BH. Em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro. Escritor laureado recebeu prêmios da Sociedade Felipe d’Oliveira, da U.B.de Escritores e do PEN Clube do Brasil. .
Sua obra é muito ampla e se caracteriza pela excelência da linguagem, elegante e correta. Celebrizou-se, tanto pelo seu trabalho em prosa como pela sua poesia, tendo vasta criação em cada um desses gêneros.
Há humor e ironia nas suas crônicas as quais têm apelação de cunho sócio-político. Drumond chegou mesmo a criar um personagem representativo do cidadão brasileiro comum, suas dificuldades e sua forma de “driblar” a vida, e a quem deu o nome de João Brandão. Um dos seus livros de crônicas se intitula – Os Caminhos de João Brandão. Publicou ainda em crônicas: Os Dias Lindos, A Bolsa e a Vida, Cadeira de Balanço, Poder Ultra Jovem, e outros.
Milton Dias – No seu livro “Entre a Boca da Noite e a Madrugada, ele mesmo se define: “Na verdade, não sou mais do que um cronista que surpreende o cotidiano e o traz para a folha de jornal, de duração tão rápida. Não sou mais do que um sertanejo carregado de lembranças, que amealhou as estórias que ouviu por onde passou e as divide uma vez por semana com o respeitável público: memórias de noites indormidas, luz de sete-estrelo, pancada de mar, caminhos e madrugadas, (...)
Sou enfim simplesmente um cronista, ou se quiserdes, um contador das estórias e vivências que aprendeu por aí”.
Na crônica – Eu, Milton Dias, diz: “Eu gosto: de gente, crepúsculos e madrugadas, mar e montanha, cidade antiga, vinho tinto, viagem, música. Gosto de ler, reler e escrever. Sou perdido por uma boa conversa. Gosto da minha casa, meus cantos, minha rua, minha praça, e tudo o que me cerca. Gosto da solidão, quando a solicito e a detesto se me é imposta.
De amigas e amigos que são muitos estou, felizmente, muito bem abastecido”.
Deste escritor que engrandece o Ceará, direi que foi porfessor de Literatura Francesa da Faculdade de Letras da UFC, foi também, Chefe do Gabinete do reitor Martins Filho. Membro da ACL e do grupo Clã. Colaborador permanente do Suplemento Literário do Jornal O Povo, durante 25 anos. Foi condecorado pelo Governo Francês com a Ordem das Palmas Acadêmicas. Não cabe neste espaço tudo o que poderia ser dito do seu imenso e prestigioso currículo.
Rubem Braga – Cachoeiro do Itapemerim -ES – 1913 – 1990. Ingressou no jornalismo ainda estudante. Cronista, comentarista político e repórter. Trabalhou em diversos jornais em várias capitais brasileiras. Acompanhou a Força Expedicionária Brasileira à Itália, na II Guerra Mundial. Como correspondente de diversos jornais brasileiros fez a cobertura de importantes acontecimentos em vários países. Foi Embaixador do Brasil em Marrocos, Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago do Chile. Morou na Europa durante o ano de 1950, sempre como jornalista. Inovou a crônica, elevando-a à categoria de gênero de permanência literária. Conseguiu firmar-se como grande escritor na Literatura brasileira, exclusivamente como cronista. Sua prosa tem admirável simplicidade , com elevado teor poético e muito senso de humor.
Sua obra é bastante rica. Publicou seu primeiro livro – O Conde e o Passarinho – em 1936, e os últimos em 1986 – Crônicas da Guerra na Itália e O verão e as Mulheres. Foram cinquenta anos de publicações, somente de crônicas. Manuel bandeira o incluiu na Antologia de poetas Bissextos Contemporâneos.

Para lhes dar uma visão geral, farei a leitura de pequenos trechos extraídos de crônicas de cada um desses quatro cronistas:

Raquel – Fala de passarinhos:
“De manhã, com escuro, é o trocado da graúna, bem debaixo da janela. Canta cristalino, dobrado e redobrado, como polca de piano, daquelas do tempo da Chiquinha Gonzaga. [...] Na hora da sesta aparece, mas não é todo dia, um sabiá cantador. Vem por ali, senta no cajueiro, solta o canto. Mas assim que a gente se aproxima, embelezada, ele sai para mais longe, nas algarobas; esse tem temperamento e não gosta de estranhos”.
Fala da velhice –“Sim; é o que nos torna velhos, esse passado acumulado. Mas, além do passado, tem a preguiça, aquelas pernas elásticas de 20 anos atrás que hoje protestam quando sobem uma rampa de ladeira. Ou será o fôlego mais curto?”
Fala de amigos – “Respeite os seus amigos. Isso é essencial. Não procure influir neles, governá-los ou corrigi-los. Aceite-os como são. O lindo da amizade é a gente saber que é querida a despeito de todos os nossos defeitos”.
Fala da Morte – “Morrer com dignidade, porque morrer livre das indignidades da última hora é reivindicação minha, já de muitos anos. Em escritos, em conversas, em pedidos à família, venho rogando: não deixem que os médicos atrapalhem a minha morte. Na hora em que ficar desenganada, parem tudo, pelo amor de Deus”.
(...) E depois o repouso na terra velha da fazenda Califórnia, onde os meus já me esperam. Amém.
Na crônica - Pó ao Pó – ela fala de cremação e no final diz: “Joguem as minhas cinzas pelo mundo, porque o mundo todo eu amei; e talvez algum punhadinho seja levado pelo vento até o Ceará”.
Drumond – Fala de animais : Perde o Gato – (de nome Inácio)
“Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu - e sua falta é mais importante para mim, do que as reformas do ministério. (...) Depois que sumiu Inácio, esses pedaços de casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato “funciona” em uma casa; em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio”.
Fala de insetos: A barata. Por que este velho tema (chamemo-lo assim) volta sempre à máquina de escrever e daí passa ao jornal e entra na casa de todo mundo? Ha mesmo, até, quem cultive um sentimentozinho de ternura pela barata. Pobre que ela é, desamparada, furtiva, aguardando a noite, o sono dos moradores , para cuidar da vida”.
Fala de saudade: “viver de saudades, é que de jeito nenhum. Lembrança preservada, lá isso é outra coisa”.
Fala de cronista: “Não pretendo fazer aqui a apologia do cronista, em proveito próprio. Reivindico apenas o direito ao espaço descompromissado, onde o jogo não visa ao triunfo, à reputação, à medalha; o jogo esgota-se em si, para recomeçar no dia seguinte, sem obrigação de sequência.”
Fala da Morte –“ A morte não será procurada, nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã”.

Milton Dias – Fala de animais – na crônica Assembléia de Cães.
“Esta noite houve um congresso de cães cá na minha praça - E tudo indica que os participantes não estavam se entendendo muito bem, a tirar pelos latidos indisciplinados e constantes, como se todos quisessem opinar ao mesmo tempo, balburdiando deliberadamente a assembléia”.

( Um gato) “ E respeitador, obediente, tímido, só começava a vida noturna depois de certa hora; então se esgueirava, saía discreto corria ao encontro da bem-amada, uma certa gata preta da vizinhança, de quem falavam muito mal e por quem chegou a passar uma noite fora de casa, contra seus princípios. Foi só esta vez, mas entrou de manhã tão desconfiado, tão humilhado, roçando as paredes, que ninguém ousou fazer-lhe um gesto de repreensão. Ao contrário, todos acharam que o pobre não teve culpa, há de ter sido tudo tentação daquela gata que era de má vida - estava na cara”.
Ainda sobre o gato:
(...) “vendo que sua presença me impedia de tirar o ferrolho, tive uma reação inesperada de distração, como se me dirigisse a uma pessoa humana: pedi licença”.
Fala da Crônica – “A idéia da crônica como um subgênero, gênero espúrio, está totalmente superada, já foi aceita como gênero independente pelos críticos mais recalcitrantes. Não é só escrevendo versos ou contos ou romance, que se pode fazer literatura”.
Fala de estrela: “Abro um instante a janela, consulto o céu: não há uma estrela, fugiram todas, me deixaram no mais completo abandono. Nem posso imitar o poeta que conversou com elas toda a noite, tresloucado amigo”.
Fala de Fortaleza: “Este meu amor a Fortaleza, infinito, incansável, leal e permanente, contraído há tanto tempo, este amor que eu guardo, cultivo e canto muito e sempre, (...) e a que só faltam versos, porque, ai de mim, não sou poeta”.
Fala de tardes de domingo: sei lá quantas tardes de domingo tenho cá nos guardados da memória, quantas sofri, quantas colecionei, são todas tristes, ah são tristes todas, as tardes de domingo, em qualquer lugar do mundo”.
Fala da velhice – “Também não é no espelho do meu quarto que eu vejo a minha idade, naquele inimigo pendurado que eu respeito e evito. (...) na pele, ai, meu Deus, na pele, a marca mais inegável, as rugas fazendo estrada, começando aquela fabricação de papel pergaminho.”
Fala da Morte: “Eu espero viver a vidinha sem mágoa, em paz com Deus e o mundo. Depois descansar à sombra de um pé-de-jambo, que me aguarda no Parque da Paz”.
Rubem Braga – Fala de animais – Refere-se aqui a um cachorro ainda do tempo da casa de seus pais, em Cachoeiro, e que era muito valente: “ Zig – ora direis - não me parece nome de gente mas de cachorro. E direis muito bem, porque Zig era cachorro mesmo. (...) A verdade é que Zig era capaz de abanar o rabo perante qualquer paisano que lhe parecesse simpático (poucos, aliás lhe pareciam) mas a farda lhe despertava os piores instintos. (...) Tão arrebatado na vida pública, Zig era, entretanto, um anjo do lar. Ainda pequeno tomou-se de amizade por uma gata e era coisa de elevar o coração humano ver como aqueles dois bichos dormiam juntos, encostados um ao outro. Um dia, entretanto, a gata compareceu com cinco mimosos gatinhos, o que surpreendeu profundamente Zig.
Ficou muito aborrecido, mas não desprezou a velha amiga e continuou a dormir a seu lado. Os gatinhos então começaram a subir pelo corpo de Zig, a miar interminavelmente.
(...) Quanto à minha mãe, ela sempre teve o cuidado de mandar prender o cachorro domingo pela manhã, quando ia à missa. Algumas vezes, entretanto, o bicho escapava (...) e, em menos de quinze minutos estava entrando na igreja apinhada de gente. Atravessava aquele povo todo até chegar diante do altar-mor, onde oito ou dez velhinhas recebiam, ajoelhadas, a Santa Comunhão. Zig se atrapalhava um pouco - e ia cheirando uma por uma , aquelas velhinhas todas, até acertar com a sua dona. Mais de uma vez uma daquelas boas velhinhas trincou a hóstia, gritou ou saiu a correr assustada, como se o nosso bom cão que a fuçava com o seu enorme focinho úmido, fosse o próprio Cão de fauces a arder. Mas que alegria de Zig quando encontrava, afinal, a sua dona! Latia e abanava o rabo de puro contentamento não a deixava mais”.
Fala do que escreve – “Cuida o leitor que estou escrevendo bobagens, e é certo. Mas eu sei das bobagens minhas, elas têm enredo íntimo”.
Fala da vida – “Meus arquivos, na sua desordem, não revelam apenas a imaginação desordenada e o capricho estranho da minha secretária. Revelam a desarrumação mais profunda, que não é de meus papéis, é de minha vida”.
Fala da mulher – “A natureza da mulher é assim feita não só da estrita carne e da voz, (...) há a substância improvisada de algas, nuvens e brisas; e mais. Um leve murmúrio de estrelas”.
Fala da morte: “Vocês desculpem tocar nesse assunto, mas a verdade é que está morrendo muita gente. Outro dia peguei por acaso num antigo caderninho de endereços que estava no fundo de uma gaveta, comecei a folhear e esfriei: quanto telefone de gente que já morreu!” (...) “o pior é que esse “lado de lá” vai aumentando, e se a gente se demorar muito por aqui acaba falando só”.

Muito mais teria a dizer-lhes e gostaria de convidá-los a descobrir a beleza da crônica, através da leitura de bons cronistas.
Antes de terminar, quero deixar patente a grande admiração , o grande respeito que sinto pelos cronistas, esses escritores que sendo portadores de currículos invejáveis, e tendo o reconhecimento unânime da crítica literária, não perdem a simplicidade.
As suas crônicas têm em comum a forma humanitária com que vêem as pessoas e os animais, e o modo como descobrem o ângulo incomum das coisas comuns, revelando a ternura que abrigam no mais fundo de suas almas.

Zenaide Braga Marçal – AJEB – CE
(Palestra pronunciada na reunião da AJEB, em 17/08/2010)