segunda-feira, 4 de setembro de 2017
UM ARTIGO QUE VOCÊ PRECISA LER!
“SONET’ÂNCIA”
Vianney
Mesquita
No começo dos ’80, ministrava na U.F.C. a disciplina Prática de Redação para estudantes do
Curso de Comunicação Social, matéria obrigatória com seis módulos de quatro
créditos, do primeiro semestre ao sexto.
Dos diversos escorregos linguísticos perpetrados contra
nosso código, um dos que mais apareciam era a prática – inocente – da redundância, com significação assente
na ideia de superfluidade, na superabundância vocabular desnecessária, com
pleonasmos e abusos na ornamentação do discurso oral e escrito. Este só perdia
para as escorregadelas ortográficas e impropriedades de concordância e regência
de substantivos, adjetivos e verbos.
Além de haver a oportunidade de juntos corrigir esses excessos,
afiguravam-se realmente engraçados os fatos sobejados dos escritos de alguns
estudantes, os quais, pela míngua de maiores exigências e cuidados durante o
primeiro e segundo graus – como se chamavam, então - esses descuidos (“lapso de
engano de erro equivocado”, dizíamos, brincando) continuavam a baldear o repertório
grafado de quem iria comunicar teores pelo caminho dos media massivos, evento realmente desabonador, se viesse a suceder.
De tal modo, era obrigatório que se cuidasse de removê-los o
mais depressa possível, para que o futuro comunicador não ludibriasse o imenso
universo de receptores, na contextura dos quais há milhões e milhões que
acreditam cegamente em tudo o que é veiculado pelos meios de propagação maciça, de sorte que poderiam alargar
consideravelmente, em progressão geométrica, o espectro de recepção equívoca dessas
mensagens.
Numa das turmas, havia alguns ensaístas versificadores de
boa qualidade, hoje poetas reconhecidos, e outros, como eu, curiosos e
interessados, por diletantismo, no âmbito da cultura manifesta por via do
metro. Divisei, então, a oportunidade de proceder a um exercício por meio dos
sonetos, que, após alguns anos no limbo, em especial depois da Semana da Arte
Moderna (fevereiro de 1922), eram praticados, sem muita obediência aos cânones
dessa grade métrica, por muitas pessoas ligadas às letras e outras meramente
amadoras e diletantes.
Compus, então, o undecassílabo - catorze versos com onze
acentos, dois quartetos e dois tercetos - intitulado Sonet’ância, eo ipso, soneto + redundância, para
exame em sala de aula, com vistas a afastar das redações dos mass media esse viés do cadáver do defunto morto que morreu de morte
morrida, do pássaro de asas, dos há dez anos atrás etc.
Espero, contudo – e isto
é por demais relevante – que a audiência dos meios onde essas linhas chegam,
configurada na outra ponta da mensagem, não me assaque a tacha de redundante e “analfa”,
porquanto os motivos para este exercício foram há pouco meridianamente
explicados, de modo que a configuração da peça, lotada de vocábulos e
expressões palavrosas e pleonásticas, foi feita para emprego somente em
laboratório, vedado, por conseguinte, o seu curso pelo desmedido agrupamento de
pessoas – a recepção mássica do recado comunicativo.
Vamos
ao soneto.
SONET’ÂNCIA
Ensaio cavalgar meu
jegue asinino,
Na fazendola rural, a
fazendinha,
Terra particular,
propriedade minha,
Onde, aliás, monto meu
Pégaso equino.
Subo, para cima, em
hirta e reta linha,
À procura, em caça a um
porco suíno.
Pois houvera, antes,
atacado a rinha
De galos, que brigavam
luta de inopino.
Vi, então, com um
sorriso nos lábios,
O meu porco bácoro preso
e cativo.
E logo, breve, anotei
nos alfarrábios
Carpatácios: “o
porqueiro cerdo é vivo:
Então, pois, farei como
os sapientes sábios:
Deixá-lo-ei renascente e
redivivo”.
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