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quarta-feira, 20 de junho de 2012

PALESTRA NA AJEB-CE


O SONETO NA OBRA POĖTICA DE  COSTA MATOS

Zenaide Braga Marçal – AJEB – CE


    Para a nossa reunião ordinária deste mês, foi-me dada, dentro da programação estabelecida, a grande responsabilidade de trazer para nossas confreiras e confrades, um trabalho literário sob tema à minha escolha. Pensei em algo que pudesse ser do agrado dos presentes e resolvi comentar alguns pontos da Poesia do nosso tão estimado e saudoso José Costa Matos.
     Longe de mim está a pretensão de ser possuidora de fundos conhecimentos da obra poética desse valioso Poeta, sócio Honorário da AJEB, assíduo frequentador das nossas reuniões mensais, às quais trazia o prestígio de sua presença e de suas oportunas intervenções.
     O título que escolhi para este trabalho – O Soneto Na Obra Poética de Costa Matos – tem como razão de ser, o fato de que tendo sido o Soneto  deixado um tanto em segundo plano devido ao Movimento Modernista e à consequente valorização do verso livre, muitos poetas não cultivaram o soneto como forma de expressão de suas inspirações poéticas. No entanto, embora criador de inúmeros poemas em versos livres de extraordinária beleza, o nosso poeta jamais deixou de prestigiar o soneto, de valorizá-lo através de suas criações.
     Aqui farei apenas algumas referências de ordem biográfica, até porque não poderia,  neste curto espaço de tempo, dizer tudo o que ele foi e o que fez, numa vida que sabemos proficiente, cheia de lutas e de vitórias. José Costa Matos nasceu em Ipueiras, onde fez seus primeiros estudos. A seguir, estudou em Sobral, no Colégio Sobralense e depois em Fortaleza, na UFC, onde se formou em Letras Anglo-Germânicas. Fundou na sua cidade a Escola Normal Rural, da qual foi professor, profissão esta que exerceu ainda na Faculdade de Filosofia D. José, em Sobral, na Faculdade de Direito e no Curso de Comunicação Social, ambos da UFC. Fez parte, também, do Corpo Docente da Unifor. Foi Auditor Fiscal do Tesouro Nacional, em cujo cargo se aposentou. Era membro da Academia Cearense de Letras, ocupando a cadeira n° 29. Sócio Honorário da Academia Fortalezense de Letras e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – AJEB.
     Sua produção literária foi muito fértil, tanto em poesia como em prosa, e, pelo valor de sua escrita e de sua inspiração,  foi detentor de muitos prêmios. O seu livro “O Povoamento da Solidão” (poesia) mereceu o Grande Prêmio Minas de Cultura; Obteve o 1° lugar , na categoria Contos, no II Prêmio Ceará de Literatura; 1° lugar no Prêmio Osmundo Pontes de Literatura, em 1996, com seu romance “Rio Subterrâneo”; 1° lugar no III Prêmio Ideal Clube de Literatura em 2000, com seu livro de contos “Na Trilha dos Matuiús, para citar apenas as premiações mais importantes.   
     Sobre ele escreveu Pedro Nava: “Logo me inteirei de sua poesia direta e sem rebuços. Digo isto porque ela é certeira do poeta ao que o lê”.  (...)
     Impossível descrever na sua totalidade as qualidades que  eram parte integrante de seu caráter, de sua imagem pessoal. Seu pequeno porte físico abrigava um grande ser humano. Na simplicidade, manifestava-se o inspirado poeta, o filósofo, o literato, o amigo, que nos levava a sentir o valor daquela amizade, sempre enriquecedora nas  palavras repletas de coerência, de sabedoria, e da fé que lhe norteava a vida e se fazia presente  em boa parte de seus poemas, como neste verso livre: “Deus tem oficina de salvação depois da última curva da esperança”.
      Num pequeno trecho da sua Meditação de Natal, faz considerações sobre passagens do Evangelho, comparando-o aos dias atuais. Uma dessas considerações é que, referindo-se à transmutação da água em vinho nas bodas de Caná, ele diz que, neste século, Maria pede que a água seja transmudada em água, que se restabeleça a pureza dos rios e dos mares, prejudicados pelos interesses econômicos. Podemos ver que a sua obra continha passagens  de cunho social.
     Diz, ainda, que “habituado a mentiras e meias verdades, o Brasil sofre uma falta de certezas. E que movimentos altamente dinâmicos representam uma busca de Deus como última instância da esperança”.
     Além do encanto de seus escritos, faz belas citações poéticas, como ao dizer que André Gide esquece o seu ateísmo e liberta este deslumbramento da fé: “Foi para nós, Senhor, que fizeste a noite tão profunda e tão bela? Foi por mim? O ar está quieto. Pela minha janela aberta, a lua entra. E eu escuto o silêncio imenso dos céus”.
     Mas Costa Matos, com seus poemas “carregados de poesia”, e não vai aqui qualquer redundância, embora autor de versos livres belíssimos, era defensor incondicional do Soneto. Seu livro O povoamento da Solidão contém mini-poemas, poemas em verso livre e 20 Sonetos.  Publicou Estações de Sonetos, onde constam 132 sonetos, selecionados dos seus  livros de poemas: Pirilampos, As viagens, O Sono das Respostas, Na última Curva de Esperança, O povoamento da Solidão, todos com a marca registrada de sua Poesia. Diz o Poeta que alguns desses sonetos inovam a estrutura métrica e que um verso alexandrino pode estar simétrica e intencionalmente no corpo de algumas estrofes. Vale lembrar que os seus sonetos eram, na maior parte, decassílabos.  Na introdução deste livro afirma que Guittone d’Arezzo estabeleceu as regras do soneto no século XIII e diz:  “ Já lá se vão setecentos anos. Em vinte e oito gerações, no lado ocidental deste planeta, poetas e leitores sustentam a magia desta forma fixa do mistério poético. [...] “ Seriam todos idiotas, no cumprimento dessa aparente vocação para a eternidade”?
     Diz ainda que  “ao longo destes séculos, muitos tabeliães da crítica literária lavraram certidões de óbito do soneto. Eles é que desapareceram, deixando poucos ou nenhuns rastros de sua literatura”.
     O Poeta nos fala também da constatação de que os sonetos socorrem os jovens, na quase mudez das suas emoções.
     Transcrevo aqui um parágrafo inteiro dessa mesma introdução:
“Essa deficiência da expressão fez surgir os grafiteiros. São poetas raivosos. Apóstolos? Mas a escola dessa civilização os desterrou do primeiro capítulo do Evangelho de João: “No princípio era o Verbo”. E eles não receberam a palavra, que está no princípio de tudo. Borram signos, por vezes indecifráveis, nos monumentos e arranha-céus. Amansariam as almas na poesia, livres da sedução da fúria predadora, se escrevessem sonetos como outras gerações mais afortunadas do verbo”.
     Quando lemos os poemas de Costa Matos, sentimos o desejo de transmiti-los integralmente, tanto somos tocados pela leveza dos sentimentos ali expressos. Temos, porém, que nos contentar em citar alguns versos apenas, que possam traduzir as passagens mais tocantes, reveladoras de seu pensamento e de sua personalidade.
    Escolhi somente dois sonetos que deverão ser lidos na íntegra. No mais, são passagens pela sua poesia, em versos reveladores da singularidade deste poeta.   Eis o primeiro, intitulado  - A Estrangeira -  que será lido por__Pereira de Albuquerque.
                        
A ESTRANGEIRA
Ficaste aqui perto de mim, no entanto,
é como se estivesses longa, agora,
com serras, mares, muito tempo e pranto
crescendo entre nós dois, hora por hora.

Amor que acaba ou que prepara o encanto
das volúpias supremas, como outrora?
Tristeza em ti, em mim tristeza e espanto.
Por essas coisas é que a gente chora.

Esmaece um poente no teu rosto,
onde o sorriso, como um rei deposto,
se asila em tua mística bondade.

E a mim, que já te conheci feliz,
pareces estrangeira no país
da minha vida, capital Saudade...

Continuando:   O nosso poeta dizia ter o dom de conhecer as pessoas: “Quando as vozes da ciência em mim se calam / em derredor as coisas todas falam, / contando-me o seu íntimo segredo”.
     O amor à terra natal é tema constante na sua obra. O que pensar de versos como estes, do poema em verso livre, A Vida? – “Encher o rio da nossa aldeia / com as lágrimas das saudades da infância”;  “Como deve estar linda agora a minha terra, / se andou chovendo assim, qual leio nos jornais”; “Onde eu nasci, há córregos queixosos, / chorando, azuis, no verde das encostas,”.
      Sobre os poetas ele disse: “Os poetas sentem quando os poemas passam por perto: / ...rezam sob a bênção das Mãos / que acendem pirilampos nas várzeas”;  “Os poetas nada ensinam, / mas relembram: / Somos livros. / E basta saber ler o que já somos”.
     Sobre a palavra, no mini-poema Ambiguidade: 

     “ Há palavras que rosnam como cães
      e afugentam, indistintamente,
      os ladrões e os amigos”.

Sobre a saudade, no soneto – Quem chamou a Saudade?

“Quem chamou a saudade que é presença
   do teu olhar caído sobre mim?”
Também em sonetos:
O Homem e seus gritos – “gritos sem voz nos olhos da miséria”.
O Homem e seus medos – “medo das rugas – drenos de utopias”
  
Sabemos que o poeta permanece sempre vivo através de sua poesia.
Sobre a Morte, no soneto Senectude, ele escreveu, no 1° quarteto:

“A mim, que penso ser ainda um justo,
merecedor do céu, do eterno enleio,
a morte hedionda não me causa susto,
nem pode ser tão má, segundo creio.
  
E, sobre a Vida:

   “Não encontrei motivo, em toda vida,/ para amaldiçoar o meu caminho./ O bem que eu quero ter, sem muita lida,/ cedo ou tarde se integra em meu carinho.

Mais um soneto escolhido para a leitura o qual ele dedica à sua mãe adotiva:

           “As Crisálidas”

Eu era pequenino. Ela fumava.
Acendendo o cachimbo noite e dia,
se uma caixa de fósforo esvaziava,
ela me dava e, rápido, eu corria

à cerca do quintal. Lá revirava
trepadeiras floridas e prendia
lagartas em crisálida que achava.
Uma semana após, quanta alegria!

Ao invés de crisálidas, um bando
de borboletas! E eu as libertava,
brancas, azuis, de toda cor, enfim.

E sob a chuva policroma, quando
fechava as mãos, o bando se escapava,
como tudo o que sonho para mim!

  Pois bem, preciso terminar este comentário. Confesso, no entanto, que o que aqui foi apresentado é apenas uma ligeira passagem pela obra deste excepcional Poeta cujos versos contêm pérolas também nas entrelinhas.
   Antes, quero prestar-lhe minha homenagem, lendo o que  para ele escrevi, em 2009, quando de sua partida, um poema simples que me saiu do coração e que intitulei:

                                         Choverá Saudade.

Tu eras a Poesia.
Por que volatilizar-se?
Doravante
nascerão poemas
nos Campos Elíseos;
novos sermões serão compostos
e encantarão santos Poetas!
Para ver-te,
mil flores luminescentes
sutilmente brotarão
nas veredas do Infinito.
As borboletas,
não mais crisálidas,
em chuva policroma
já não escaparão das tuas mãos...
nem os teus sonhos!
E Choverá Saudade
nos corações que conquistaste!

     Estimados amigos, necessária se faz uma leitura sem pressa para que possamos aquilatar o valor de tudo o que pensou e escreveu, não somente o poeta, mas o filósofo e excelente amigo que permanece vivo em nossa lembrança: o ajebiano  José Costa Matos.

(Palestra proferida na reunião da AJEB-CE, de 19/6/2012)

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