sexta-feira, 28 de novembro de 2014
UM TEXTO DE JANUÁRIO BEZERRA
o dia do músico e a escola
Januário Bezerra
Festejar a
arte e aplaudir o artista é algo proposto pelo calendário, em todos os tempos e
lugares. Vinte e dois de novembro, por exemplo, é data consagrada ao músico. O
legado Greco-romano facilita a compreensão da simbologia envolvendo a arte
musical e seu praticante. A música, que tem em Beethoven e Bach dois expoentes,
para citar apenas esses, se constitui, talvez, na mais evoluída manifestação
artística. Acima de questões como língua, crença, escolaridade etc,
possibilita, por si mesma, mais harmonia e melhor compreensão entre os homens,
tal o seu poder de comunicação e a universalidade do seu culto. Na mitologia
grega, Orfeu e Eurides protagonizam linda fábula e assim simbolizam essa forma
de arte. Embora mais modestamente, a cultura romana, de igual modo, contribui
para o mesmo objetivo, possibilitando a Santa Cecília tornar-se padroeira dos
músicos. Em abordagem circunscrita ao
território brasileiro, a data comemorada sugere refletir em torno de como o
ofício adotado por Frédéric François Chopin poderia
ajudar a Nação no encaminhamento da infância e da juventude, livrando-as da
marginalidade que aí está e tanto avilta nossos indicadores sociais. Algo é
sempre tentado nesse tocante, mas, sabidamente, muito pouco tem sido feito.
Quem não se lembra, por exemplo, do Projeto Aquarius? Criado em 1972, por iniciativa, dentre outros
brasileiros, do maestro Isaac Karabtchevsky, com o objetivo de levar a música
clássica à população carioca. Teve sua primeira edição no Parque do Flamengo,
com “Alvorada” da ópera “O escravo”, de Carlos Gomes e, mercê da execução do
projeto, muitos conterrâneos hoje têm na música uma profissão de inegável
sucesso, com vários deles integrando regularmente grandes orquestras mundo
afora. E Isaac Karabtchevsky – nascido em 27 de dezembro de 1934 – apesar dos
oitenta anos, bem tocados e bem vividos, aí está, cheio de entusiasmo e vontade
de continuar colaborando. Se por um lado é lamentável a desativação do
“Aquarius”, por outro, há de se reconhecer o efeito multiplicador, já espalhado
por alguns pontos do território nacional. Aqui acolá se vê e ouve um grupo
musical, sob patrocínio do erário ou de particulares, estimulando vocações, que
desde sempre justificaram os aplausos sempre devotados pelo mundo inteiro à
música e ao músico do Brasil. Heitor Villa-Lobos
foi outro a muito fazer pelo ensino musical entre nós. E dele não há quem possa
roubar o mérito de trazer para a orquestra o violão, aqui no Brasil. Até então,
o instrumento era visto com imensa reserva, apesar de sua boa origem ibérica e
de toda a aceitação sempre encontrada em grandes orquestras europeias. Outro
nome a lembrar é o do maestro João Carlos Martins, considerado pela crítica
internacional um dos maiores intérpretes de Bach do século XX, de quem
registrou a obra completa para teclado. Há sete anos, fundou a Bachiana
Filarmônica e desenvolveu um trabalho com adolescentes, através de sua Bachiana
Jovem. Criou a Fundação Bachiana, cujo tema é a arte e sustentabilidade. As
orquestras foram unificadas e formam a Filarmônica Bachiana SESI-SP. O estado
brasileiro bem que poderia aproveitar ideias como as chamadas PPP – Parcerias
Público-Privadas e, estendendo esse conceito da moderna administração pública,
viabilizar uma escola capaz de atender as necessidades atuais e futuras da
sociedade. Possibilitando, e-fe-ti-va-men-te, ao estudante brasileiro e ao
profissional em que ele se transformará brevemente, um conteúdo intelectual à
altura do pleno exercício da cidadania, nos moldes exigidos pelo terceiro
milênio. Afinal, o próprio significado literal da palavra educação sugere algo
absolutamente diverso do que aí está. Vejamos o que diz a respeito o
dicionário: “educação e.du.ca.ção sf (lat
educatione) 1 Ato ou efeito de
educar. 2 Aperfeiçoamento das
faculdades físicas intelectuais e morais do ser humano; disciplinamento,
instrução, ensino. 3 Processo pelo qual
uma função se desenvolve e se aperfeiçoa pelo próprio exercício: Educação
musical, profissional etc. 4 Formação consciente das novas gerações
segundo os ideais de cultura de cada povo. 5 Civilidade. 6 Delicadeza. 7 Cortesia. 8 Arte de ensinar
(...)”.
Estaríamos diante de uma excelente oportunidade para reformulação da escola
brasileira, posto que já se vislumbra alguma possibilidade de mudança, a partir
da redemocratização iniciada com a Constituição de 88, agora aguçada por via
das chamadas redes sociais. Há muito é necessária uma nova escola, capaz de
qualificar melhor a sociedade, seja do ponto de vista estritamente intelectual
ou da aptidão profissional, seja no tocante ao lastro humanístico demandado
pela boa convivência entre iguais. De qualquer sorte, é profundamente
constrangedor o episódio verificado, com frequência até, em que brasileiro
chega a ser tratado aí pelos caminhos do mundo como lídimo representante de uma
sub-raça, quando consegue – sabe Deus por obra e graça de que ou quem – usar,
com certa vaidade até, o tão sonhado passaporte. Apesar da descrença ainda
generalizada, o país parece querer iniciar processo de mudança, pelo que se
observa nos últimos tempos. Convém, no entanto, agilizar as coisas, sob pena de
esbarrarmos diante de uma dura verdade, que diariamente eu via escrita na
parede da escola: “Quem o tempo perde, eterna perda chora”.
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