quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
A Poesia de Evan Bessa - por Giselda Medeiros
O Tempo e a Vida na Poesia de Evan
Bessa
A poesia, na concepção de Octavio
Paz, é o pão dos eleitos. Convite à
viagem; (...). Súplica ao vazio, diálogo com a ausência; é alimentada pelo
tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença.
Partindo destas considerações, que
se coadunam com o que encontramos na poesia de Evan Bessa, temos a imensa
satisfação de apresentar-vos A Vida nas
Asas do Tempo, trazendo-nos a palavra percuciente das escritoras Zinah
Aexandrino (nas orelhas), Leda Costa Lima (no prefácio) e Francinete Azevedo
(na 4ª. capa).
A escritora Evan Bessa, já
amplamente consagrada no mundo da literatura infantil, com 8 livros publicados,
chega-nos com mais uma obra, agora, debutando nas passarelas da poesia. E
chega-nos com classe, pisando bem, como quem já conhece os atalhos e desvãos
desta tão instigante passarela.
O tempo, em sua inexorabilidade, a
vida e o homem, com seus dramas existenciais, são a matéria-prima, com a qual
Evan Bessa constrói seu edifício poético. Quatro pilares o sustentam: “Os
Mistérios do Homem, das Águas e do Mar”; “A Vida nas Asas do Tempo”; “Caminhos
e Descaminhos do Amor” e “O Mundo, seus Encantos e Desencantos”, todos esses pilares
argamassados com a cal das emoções, as areias da saudade e as águas da
esperança.
Logo no primeiro poema, intitulado
“Mistério”, já se visualizam, no eu-lírico, os conflitos, a grande agonia do
homem por desconhecer-se, sendo levado, por isso, a questionamentos ontológicos
diante dos mistérios que nos circundam. Vejamos:
“O homem, esse
ser finito,
de infinitas
incoerências,
se perde a todo
momento
na busca de
sonhos ilusórios.
Na ânsia de
superação,
vive em eterno
conflito.
Não se acha, não
se conhece
e não entende o
mistério.
E sabe a Autora que a existência é
uma brutal condenação do homem a um permanente confronto com as cousas
inevitáveis, sendo necessário, portanto, um permanente estado de vigilância. Sabe,
também, que, para se poder desfrutar a existência em toda a sua plenitude, faz-se
mister a busca de novos mundos, ou seja, procurar alcançar a transcendência, o
que vai fazer do homem um projeto infinito, dentro de sua finitude. Então, a
poetisa desabafa, no poema “Espera” (p. 25):
“Amargam em mim a
dor e o cansaço
vencidos pela
espera
de quem não sabe
desvendar mistérios
do mar nem do
barco que espera.”
Mais adiante, no poema “Preciso de Você”
(p.26), através de uma metáfora e de uma símile bem construídas, ela afirma:
“(...) a vida é um redemoinho / e a felicidade é como uma névoa que passa”. Atentemos
para os morfemas “redemoinho” e “névoa” que carregam toda uma carga semântica,
imagística e significativamente, simbólica. “Redemoinho” converge à dor,
insegurança, aflição, sofrimento e morte, tudo o que é, pois, inerente à vida.
E “névoa” nos remete a uma visão serena, embora impalpável, fugidia, ambígua. E,
consolidada na expressão “que passa”, usada pela poetisa, cristaliza a
efemeridade dos momentos felizes e da própria vida.
O título do livro, A Vida nas Asas do Tempo, já pretende
justificar, metaforicamente, a brevidade da vida ante a velocidade do tempo com
suas lépidas asas. No poema “O Barco” (p.37), Evan Bessa fortalece ainda mais essa
relação tempo/vida/homem, contida nos versos “O barco parte do cais, / levando
meus desenganos, /... /”, quando transpõe a fragilidade da vida e do homem
exposto à voragem vertiginosa do tempo para o morfema “barco”. Desse modo, a
vida é o barco que soçobra sobre ondas, açoitado por ventos, muitas vezes, danosos.
É esta metáfora do barco em sua navegação que explica, poética e
filosoficamente, o fenômeno da existência: todos vamos neste barco, que é a
vida, navegando ao rigor do tempo, rumo ao porto final que nos espera a todos,
indistinta e inapelavelmente. Evan dá testemunho disso, quando diz nestes
versos:
“Em que águas
mais transparentes
desembarcou essa
barca
que até a deusa
dos mares
fez festa no
desembarque?”
Depois, lá na página 47, ela
conclui, no poema “Indagação”:
“Tudo se acaba
simplesmente.
A vida, o homem,
a matéria.
E somente o
espírito paira sobre o Universo.”
Contudo, mais adiante, ela ressalva,
no poema “Borboleta” (p.48): “Eterno é o fato de poder amar”, passando-nos a
lição de que é, verdadeiramente, o amor, em sua plenitude, a célula propulsora
da eternidade.
O poema “Sombra” (p.64), embora pequeno
na forma, agiganta-se pela densidade lírica que carrega. Vejamo-lo:
“No beco da
saudade,
encontrei tua
sombra
refletida no
espelho
da ilusão.
Parei...
Voltei no tempo
e chorei.”
Também, o social, com seu apelo
dramático, faz parte da lira de Evan Bessa. Com a mesma segurança com que
trabalha a saudade, o amor, a solidão, o metafisicismo, os temas religiosos e
familiares, a poetisa denuncia as grandes injustiças sociais, a violência, a
discriminação. Constatemo-lo com estes versos do poema “Sonho” (p.94):
“Hoje, li nos
jornais notícias devastadoras,
de violência,
sequestro, fome e morte.
O homem refém de
sua própria sorte
sem rumo, sem
prumo, sem norte.”
Em síntese, Evan Bessa, a exemplo de
todo criador, procura trabalhar sua palavra como forma de libertação, como
alimento necessário, como maneira de superar as dores e angústias existenciais,
como uma procura incessante de paz e harmonia. E nós, os outros, com nossas
diferenças, por certo, haveremos de chegar ao consenso de que a palavra é, na
realidade, a nossa principal ferramenta para a compreensão do mundo e dos
seres. E é com ela, a palavra, como assevera Nietzsche, que o homem dança sobre
todas as coisas.
Portanto, Evan, só temos aplausos para
você e para sua poesia, que nos chega como “oração, litania, epifania,
presença”. E, diante deste evento inaugural, “não há melhor resposta que o
espetáculo da vida: / vê-la desfiar seu fio, / que também se chama vida, / ver
a fábrica que ela mesma, / teimosamente, se fabrica, / vê-la brotar como há
pouco / em nossa vida explodida”.
12/8/2008
Giselda Medeiros. Nasceu em Prata
(Acaraú-CE). Graduada em
Letras. Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira. Membro de várias entidades literárias, dentre as quais, Academia
Cearense de Letras, Academia Cearense da Língua Portuguesa, Academia de Letras
e Artes do Nordeste Brasileiro, Sociedade Amigas do Livro, Associação de
Jornalistas e Escritoras do Brasil, da qual foi Presidente Nacional
(2002/2006). Ostenta o título de Princesa dos Poetas do Ceará. Obras
publicadas: POESIA: Alma Liberta (1986), Transparências (1989), Cantos
Circunstanciais (1996), Tempo
das Esperas (2000) e Ânfora de Sol. PROSA: Sob
Eros e Thanatos (2002) e Crítica Reunida (2007). Detém vários
prêmios, dentre eles, “Prêmio Osmundo Pontes de Literatura – Poesia” (1999),
“II Prêmio Ceará de Literatura” (1995), “Prêmio Henriqueta Lisboa” (MG, 2003) e
Prêmio Lúcia Fernandes Martins de Poesia (2008).
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