terça-feira, 24 de setembro de 2013
UM TEXTO DE CELINA CÔRTE PINHEIRO
MAIS MÉDICOS SEM
MÁSCARAS
O programa de governo "Mais Médicos", gerador de
tantas polêmicas, fez-me voltar no tempo e recordar minha participação no
Projeto Rondon, em 1972, quando já doutoranda. A meta daquele programa era
inserir profissionais de diferentes áreas, sobretudo a médica, em cidades
brasileiras desassistidas e de poucos recursos. Fui designada para Corguinho,
no Mato Grosso. Prometeram-nos o deslocamento por avião. Exultei! Contudo, de
Ribeirão Preto a São Paulo, conduziram-nos de trem, por horas a fio, em um
percurso que seria feito confortavelmente, já àquela época, de ônibus, em
apenas quatro horas. Não havia assentos disponíveis e viajei a noite toda
sentada sobre minha mala. Apenas lá pelas cinco ou seis horas da manhã,
consegui sentar-me em um dos bancos desocupados pelos passageiros.
De São Paulo a Corguinho, fomos de ônibus. No total, quase
dois dias de viagem desconfortável e exaustiva. Porém, nosso sonho de ajudar e
colocar em prática o que havíamos aprendido, falava mais alto.
Foram 45 dias de trabalho, quando pude perceber que, por
trás do bem que fazíamos, havia, sobretudo, o desejo político de manutenção do
poder. A população era carente de tudo e não possuía noções mínimas de educação
sanitária. A cidade, por sua vez, destituída de saneamento básico. O experiente
prefeito sugeria o acréscimo de complexo B ao nosso receituário onde
predominavam os programas "Mais Médicos".
Nosso raciocínio se afunilava pela monotonia de
diagnósticos. Tampouco havia condição de algo mais... Nossa presença se
constituía uma bênção para a população extremamente carente e sem noção de que
as medidas eram meramente paliativas. Satisfazia-se com pouco. Saímos dali
enaltecidos pelos moradores e felizes com nosso exercício de solidariedade.
Eles, por sua vez, continuariam a ingerir água contaminada e a ter diarreia...
No atual programa, diferenças gritantes no transporte e no
receptivo. No mais, talvez a mesma farsa e o mesmo viés eleitoreiro.
Comprove-se sua efetividade através da comparação honesta, sem mascarar a
realidade, entre os indicadores atuais e após dois ou três anos do programa.
Sonhamos com a real melhoria da qualidade de vida da população!
Celina Côrte Pinheiro
Médica
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