Irene, muda para as revelações escandalosas, pudica, escondendo a menarca precoce à filha inocente, coisa feia, para quem mergulhada em preconceitos ancestrais.
O chinelo na mão, o mistério descoberto, a boca escancarada, imprecando, gritando, ralhando. O ciúme doentio, a fera a defender os filhotes do sol, da chuva, do mal...
(Irene me dá a chave do mundo, que eu sei caminhar sozinha. Enxuga a lágrima que brilha. Tu sempre tiveste vergonha de chorar... Me dá liberdade que eu quero voar!)
Irene chorando por eu sangrar, atropelada. Irene rezando, brigando, cansada, suada. No avental a marca dos dez dedos. Na palma da mão a impressão da testa fatigada.
Irene o longo quintal a varrer, as folhas se amontoando, o velho fogão de barro. O sono leve ao mais silencioso ressonar dos filhos. As narinas dilatadas farejando o perigo... Irene, a redoma. As barrigas anuais: paristes todos os filhos do mundo!
Exangue, a comadre aparando o menino, os ais dolentes espalhados na casa toda.
O beijo da primeira comunhão. O único, entre tantos que guardaste e não me deste por pejo.
Irene, o retrato jovem de luto da mãe. Aquele, na moldura em tripé, que não gostavas, mas que exibíamos às visitas por acharmos bonito o sorriso inefável de Mona Lisa órfã e triste. Que mistério fotografaram em teu rosto, Irene?
As cartas que me pilhaste lendo escondida. Como ousava eu descobrir aquelas frases apaixonadas, escritas por teu marido nos primeiros tempos de casamento? Coisa horrível, não é, Irene? A lágrima que correu no teu rosto no dia em que eu fui embora...
Até os versos, Irene, que eu iria escrever em tua homenagem, me foram roubados pelo poeta Manuel Bandeira:
"...Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco?
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene! Você não precisa pedir licença!"
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