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domingo, 16 de maio de 2010

Rachel de Queiroz e sua Consciência Político-Social - EVAN BESSA



Cumprimento a Mesa na pessoa do Sr. Presidente da ALMECE, Lima Freitas, e os demais presentes através da colega Francinete Azevedo, acadêmica abnegada e pró-ativa na dinâmica de atividades desta Academia. Quero expressar meus sinceros agradecimentos pelo convite formulado para conversar um pouco sobre a escritora Rachel de Queiroz, da qual teríamos muito a dizer, a respeito de sua extraordinária obra, se não houvesse limite de tempo.

Sabemos que a ALMECE, durante todo o ano de 2010, alusivo ao centenário de nascimento da autora, renderá homenagens nas reuniões ordinárias a essa cearense que tanto nos enche de orgulho. Assim sendo, escolhi apenas um aspecto relevante de sua vida para falar aos amigos almeceanos. O tema a ser discorrido é: Rachel de Queiroz e sua Consciência Político-Social.
Inicio com um pensamento da autora que diz: “Sou pela liberdade. Pelas concessões ideológicas. Eu acho que o voto do analfabeto foi um dos maiores erros políticos, um instrumento de demagogia, de rebaixamento político, o voto dos analfabetos”.

Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza em 17 de novembro de 1910. Pertencia ao ramo dos Alencar, outro orgulho dessa terra. A família tinha raízes fincadas em Quixadá e Beberibe, entrelaçadas com outras tantas famílias que fazem parte de sua árvore genealógica, tais como: Lopes, Queiroz, Bessa, dentre outras.

Desde a adolescência, apresentava-se rebelde e ousada para os padrões da época. Nesse sentido, escreveu uma carta ao jornal “O Ceará”, ironizando o concurso de Rainha do Estudante, utilizando o pseudônimo Rita Queluz. Seu poema “Telha de Vidro” foi publicado no mesmo jornal. O destino, porém, lhe prega uma peça. Por conta da carta, é convidada para ser colaboradora do citado periódico e passa a trabalhar no folhetim “História de um Nome”. Inicia-se assim na carreira de jornalista. Foi uma das fundadoras do jornal “O Povo” em janeiro de 1928, fazendo parte de um grupo seleto de colaboradores.

Nos anos 1928 e 1929, Rachel começa a se interessar pela política social do país. Tinha simpatia especial pelo Bloco Operário Camponês de Fortaleza. A partir daí, participa ativamente dos grupos esquerdistas que estavam se reunindo para formar o primeiro núcleo do Partido Comunista ficando como aliada até 1933.

Em 1930, com essa consciência político-social e, em face das leituras constantes a que se dedicava o que lhe proporcionou uma relativa bagagem cultural, escreve o primeiro livro: “O Quinze”, publicado no Ceará, financiado por seu pai, Daniel de Queiroz, com uma tiragem de 1000 exemplares. O livro foi muito bem aceito pela crítica literária da época, o qual atravessou fronteiras do nosso Estado, chegando às mãos dos escritores Augusto Frederico Schmidt e Mário de Andrade.

“O Quinze” faz parte da literatura do ciclo nordestino brasileiro em que se encontravam escritores como José Américo, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, intelectuais que tinham perfis e visões semelhantes, transferindo para os livros a realidade que vivenciavam. Não escondiam as dificuldades e preocupações que seu povo vivia. Romance de fundo social, bastante realista que mostra o sofrimento da gente do interior, diante da luta secular da miséria, privação do homem e da fome. A grande seca de 1915 era fato real e concreto, que levou a retratar com maestria o drama dos personagens Vicente Conceição, e por outro lado, os retirantes da família de Chico Bento, na travessia para a busca de dias melhores. Rachel descreve o amor, o conflito social e todos os desdobramentos, costumes da época, tornando-se, assim, uma ficção autêntica do drama explicitado.

Segundo Adonias Filho, “com esse romance o ciclo nordestino alarga-se para interferir na ficção brasileira – amplia-se sobretudo na linguagem e estrutura para converter em ficção o homem, a terra, no drama regional.”

Gilberto Amado acrescenta: ”Uma produção tão perfeita e tão pura que continua sozinha, inigualada, tempo afora.”

Com os estímulos recebidos de autores ilustres continua sua atividade de escritora produzindo em 1932 o romance “João Miguel” e, em 1937 lança “Caminhos de Pedras”. Somente mais tarde escreveu “As Três Marias”. Todos eles de cunho social e político revelando injustiças sociais e a miséria social e política do seu povo.

Esta mulher de infindáveis talentos se destacou na crônica (Diário de Notícias, Revista O Cruzeiro – no Rio de Janeiro); no romance; no teatro, com a peça “Lampião” que foi montada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Leopoldo Fróes em São Paulo. Foi tradutora de vários idiomas: francês, inglês, italiano e espanhol. Traduziu cerca de 40 obras. Escreveu literatura infanto-juvenil: “O Menino Mágico”. Como se observa em Rachel, a sensibilidade exacerbada a fez múltipla na criação e nas artes, Seus livros foram lançados no Japão, Alemanha, Israel e França. Recebeu vários prêmios e títulos por sua produção literária. Foi a primeira mulher a adentrar na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Rachel, sempre corajosa e brava, não negava o sangue de sertaneja da gema. A única contradição aparece no tocante à tradição nordestina das mulheres do seu tempo em termos de religiosidade. Ela não tinha religião. Dizia-se agnóstica. Em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, em 1968, afirmou: “É muito ruim não ter crença, porque nas fases ruins você não tem a que se apegar. Tem que se encolher em si mesma e aguentar a pancadaria. Invejo profundamente quem tem boa fé. O Helder (D. Helder Câmara) ainda tem esperança de me converter, diz que quer morrer um dia depois de mim só para rezar a extrema-unção junto comigo.” Noutra ocasião, falou o seguinte: “na minha infância, todas as velhas só viviam na igreja (...) velha sem religião, quem inaugurou foi minha geração.” Tinha plena consciência da opção religiosa frente ao mundo. Não se sentia culpada, mas encarava a sociedade cristã com espírito forte e sem se penitenciar por essa atitude. Mesmo afastada da Igreja, tinha amigos padres, contando no seu círculo de amizades com D. Helder Câmara, seu conterrâneo, Padre Cícero, Irmãs Simas e Elisabeth (ambas do Colégio da Imaculada Conceição).

Mostrando sempre que estava à frente de seu tempo, foi a primeira jovem a frequentar os cafés da Praça do Ferreira onde se reuniam intelectuais da terra com destaque para Antônio Sales, seu padrinho literário.

Em entrevista concedida a Vitor Casimiro, em 18/8/2000 (exclusiva para o Educacional), fala o seguinte: “Eu sou professora. É o único curso que fiz no Colégio da Imaculada Conceição, de Fortaleza. No resto, eu sou franco-atiradora, fui aprendendo com a vida e comigo mesma.”

Ela não gostava de ser considerada famosa. Tinha verdadeira aversão à participação em eventos sociais. Mulher moderna, não se iludia com títulos ou outras bajulações que alguns lhe faziam. Sem vaidades, avaliava sua obra assim: “Nunca releio um livro meu. Tenho um pouco de vergonha de todos os meus livros, de “O Quinze” tenho uma antipatia mortal, esse livro me persegue há sessenta anos. Detesto todos eles.” É interessante ouvir com tamanha espontaneidade uma avaliação dessa natureza. Achava que era mais falada que famosa.

Muito cedo, a escritora Rachel de Queiroz, com senso de observação aguçado, começou a perceber as dificuldades de seu povo, as mazelas sociais e os ditames da política em seu país.

Sempre se rebelou diante das injustiças sociais. Nos seus romances retrata com fidedignidade a luta secular do povo contra a miséria e a seca, bem como a do operário que labuta para receber o pequeno salário.

Em 1931, conhece integrantes do Partido Comunista. E inicia seu entrosamento com ele. Por essa razão, é perseguida pelo regime ditatorial. Depois se desentendeu com o Partido em face de discordância sobre o enredo do romance “João Miguel.” Acharam que o enredo era preconceituoso frente à classe operária. Rachel, então, virou trotskista militante, tendo sido presa em Pernambuco como agitadora comunista.

Getúlio Vargas, quando ainda delineava o Estado Novo, já se preocupava com seus opositores. Rachel, considerada agitadora, logo vai presa, em 1937, em face das divergências de caráter político, no quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará. Com a chegada do Estado Novo, seus livros foram queimados em Salvador-BA, com os de escritores perseguidos: Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros, porque eram tidos como subversivos.

Em entrevista a O Jornal afirmou: “...eu fui presa várias vezes. A mais demorada, passei seis dias na cadeia; foi quando Getúlio Vargas estava preparando o golpe para se apossar do poder. Ele botou todos os jornalistas em cana e deu o golpe”. Mandou prender tudo quanto era de intelectual esquerdista, trotskista, stalinista, anarquista, todo mundo foi preso em 1937. Para Rachel, o Estado Novo foi pior que a ditadura de 1964, porque ele tinha processos fascistas já codificados. Tinha o modelo alemão, polaco, italiano e Getúlio Vargas se associou a esses governos criminosos, terríveis, monstruosos, esclarecia a escritora.

Falando do apoio que recebeu de seus familiares, em entrevista a O Jornal afirmou: “...o jornal católico de Fortaleza se escandalizou porque papai e mamãe foram me visitar na prisão. E quando me viram toda heróica, toda Joana D’Arc, eles começaram a rir”.

E prossegue, dizendo para o mesmo jornal: “...tive uma formação política comunista. Foi o único período em que estive na militância, depois eu fiquei somente como observadora, sem atuação direta. Mas eu sempre fui espírito de porco, sempre do contra. Sou da família daquele cara que disse: “Há governo, sou contra.”

Quando lembrava os dias em que esteve presa por motivos políticos, ela evitava o tom de mártir e recordava com bom humor que sempre foi bem tratada na cadeia e até fazia amizade com os carcereiros.

Por essas posições e compreensão do fato político, foi fundadora do movimento esquerdista do Ceará. O seu registro no Partido Comunista consta na Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco, com o nº 883, considerada pelo regime “perigosa agitadora”.

Com inteligência e perspicácia, aproveitava-se de sua escritura para nas crônicas dizer o que pensava. Numa delas, da revista “O Cruzeiro” de 12 de setembro de 1959, Rachel externou sua opinião sobre o Estado Novo: “Com o Estado Novo, todo o mundo amordaçado, sem ninguém para estrilar, o hábito de regalia universalizou. Os homens públicos deixaram de separar o que era do Estado e o que era deles, ou antes, o uso e abuso dos bens públicos passaram a ser privilégio dos cargos”.

Ainda se referindo aos políticos, no seu livro “Um Alpendre, Uma Rede e Um Açude”, coloca mais uma vez sua visão crítica, acerca dos representantes do povo no Congresso Nacional: “... sou leitora contumaz do “Diário do Congresso” e escuto as irradiações das atividades parlamentares sempre que a censura governamental me permite esse entretenimento cívico – eu já me acostumei a conhecê-los todos: há os que sabem, há os que pensam que sabem, há os que entendem de qualquer coisa, mas é mister garimpar essa qualquer coisa sobre o cascalho das bobagens e dos lugares-comuns; há os sérios entendidos, há os sérios bobos, há os ocos e há os que têm recheio dentro, havendo ainda a enorme variedade na qualidade desse conteúdo. E há, naturalmente, o contingente dos que não têm nada em todos os sentidos, que não servem nem na hora de votar, porque sempre votam com o pior.”

Essa observação da escritora é tão pertinente que se poderia enumerar e até nomear as categorias declinadas no texto acima. Não é ficção, mas realidade palpável e concreta, nos dias de hoje, mesmo, em pleno século XXI.

O Partido Socialista Brasileiro lançou sua candidatura a Deputada Estadual, em Fortaleza, defronte à Coluna da Hora.

Em 1964, embora não mais comunista, mas apenas socialista, participa da conspiração para a derrubada de João Goulart e realiza reuniões, visando ao golpe do estadista. Segundo a escritora, aderiu ao golpe também porque era amiga de Castelo Branco, um dos generais conspiradores, que veio em pouco tempo a assumir a Presidência de nosso país.

Mais tarde é nomeada pelo Presidente Castelo Branco como delegada do Brasil na 21ª sessão da Assembléia Geral da ONU, agregada à Comissão de Direitos Humanos e, em 1967, integra o Conselho Federal de Cultura.

Jânio Quadros, quando Presidente da República, a convidou para o cargo de Ministra da Educação, o qual foi devidamente recusado, com a seguinte justificativa: “... sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista”.

Criticava os colegas pela postura política. Dizia que eles liam apenas apostilas doutrinárias que tinham trechos dúbios. O único integrante do Partido que havia lido “O Capital” na íntegra era o crítico Mario Pedrosa, afirmava ela. Ela era contra a qualquer posição sectária. Para ela o sectarismo é um estigma. A questão de ideologias é para almas estreitas, dizia. Você pode manter comunicação permanente se tiver idéias abertas e aceitar todos os caminhos.

No livro “Tantos Anos” dedicou um capítulo ao Padre Cícero, que ela, ainda jovem, conheceu. No livro, coloca suas impressões sobre os intelectuais brasileiros: “Eles não refletem quando vão apoiar esta ou aquela corrente ideológica, guiando-se mais por amizades e panelinhas do que por convicções. Vigora na vida cultural o mesmo princípio coronelista da política partidária”.

No quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros (local onde esteve presa) existe uma placa em sua homenagem, mandada afixar, após sua morte, por Lúcio Alcântara, que na época governava o Ceará. Ele participou do evento, juntamente com seus familiares. Registre-se, também, a iniciativa do gestor público mencionado: a assinatura do decreto, dando o nome de Rachel de Queiroz ao Colégio Militar do Corpo de Bombeiros. O político ressaltou na ocasião, a luta da escritora pela Democracia e a Liberdade de ideias e convicções, fato esse que permeou toda a sua vida.

Cônscia de sua responsabilidade, aproveitou a literatura para chamar atenção da seca do Nordeste e dos problemas sociais, políticos e econômicos do país. Nas suas crônicas aproveitava para denunciar, esclarecer e trazer os leitores informados do dia-a-dia que influenciavam de perto, a vida cotidiana do homem brasileiro.

Quando foi chamada para habitar no plano superior, os cearenses ficaram perplexos diante da notícia. Ela saiu de cena de forma silenciosa, sem alarde, demonstrando dignidade, como boa cearense, no dia 4 de novembro de 2003, na cidade do Rio de Janeiro.

O Ceará perdeu sua maior Estrela da Literatura e o Brasil ficou órfão da escritora, da intelectual ímpar, que todos conheciam e admiravam.


(Palestra proferida na ALMECE, dia 15/5/2010)

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