ATUAL DIRETORIA AJEB-CE - 2018/2020

PRESIDENTE DE HONRA: Giselda de Medeiros Albuquerque

PRESIDENTE: Elinalva Alves de Oliveira

1ª VICE-PRESIDENTE: Gizela Nunes da Costa

2ª VICE-PRESIDENTE: Maria Argentina Austregésilo de Andrade

1ª SECRETÁRIA: Rejane Costa Barros

2ª SECRETÁRIA: Nirvanda Medeiros

1ª DIRETORA DE FINANÇAS: Gilda Maria Oliveira Freitas

2ª DIRETORA DE FINANÇAS: Rita Guedes

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DIRETORA DE PUBLICAÇÃO: Giselda de Medeiros Albuquerque

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CONSELHO

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DIRETORIA ELEITA POR UNANIMIDADE

quinta-feira, 25 de março de 2010

2 Crônicas de Waldir Rodrigues


SAMARITANA


Encontrei-a meditando à beira da fonte da Poesia, no momento lírico do crepúsculo, quando o dia e a noite já não são, mas são quase. Os raios matizantes do sol escondiam-se por trás dos seus cabelos claros, com reflexos de ouro e de púrpura. Seus pés andarilhos, vindos de um atroz irremediável, tencionavam em percorrer os caminhos do desconhecido. Seus olhos fixos no horizonte das ilusões, ao pressentirem minha presença, esconderam-se no chão, medrosos de mim.
– Quem é você? – perguntei.
E minha voz tinha a dolência dos que sofrem...
Seus olhos tristes elevaram-se da terra e iluminaram os meus. Falavam de sonhos, mas lembravam as distâncias.
– Por quem você espera? – insisti curioso.
Nada respondeu, porque havia transposto o tempo dolorosos das esperas. Adivinhei dúvidas em seu semblante, quando vi o silêncio estampado nos seus lábios.
O caos inevitável se aproximava no manto negro da noite que já vinha.
Apontei para a fonte do Parnaso, na ânsia de que o dia não se fosse. Seria preciso conservar o calor do deserto na areia movediça dos caminhos. A jornada é longa, e o tempo não espera.
– Dê-me de beber! Tenho sede de esperança! – implorei.
Uma lágrima desmaiou sobre sua face, e o sussurro de sua angústia entreabriu seu silêncio. Os braços emergiram, lentamente, do nada e depositaram em minhas mãos um cântaro vazio...



PESCARIA

Há mais de vinte anos, em pleno albor de nossa juventude, o poeta Durval Mendonça e eu inventamos uma pescaria. E saímos pela vida afora, armados de caniços e samburás. Sentamo-nos à beira de uma noite estrelada, querendo pescar estrelas. Lançamos os anzóis às profundezas dos céus e, nas pontas, para atraí-las, a isca dourada de um sonho vivo, ainda se bulindo.
As estrelas cintilavam no infinito, como dorsos de lambaris na superfície da treva em silêncio. O tempo corria em lugar do vento, e nós dormitamos sobre a esperança de uma estrela viva, em nosso aquário de fantasias... De repente, a linha da ilusão estremece!
Ficamos atentos.
Depois um arranco...
Um outro arranco...
E nos sentimos arrebatados para o infinito, acima, arrastados pelo supremo delírio de dois poetas...
E vocês sabem o que aconteceu?

UMA ESTRELA NOS PESCOU!

segunda-feira, 22 de março de 2010

O POVOAMENTO DA SOLIDÃO - José Costa Matos



Eu trago em mim
os povoadores da solidão.
E mando que se façam bandeirantes,
e quebrem pararelos
e quebrem meridianos,
na guerra contra todas as fronteiras.
E descubram ouro no sono das montanhas
e apresem os índios nas surpresas da inocência
e façam filhos nas negras
mães da solidão
e pisem a cabeça das serpentes
com a ilusão de esmagar todas as mágoas
que não podem ser destruídas
sob as sapatorras da marcha escapista.
E batam nos peitos brutos
e gritem para as quebradas das serras:
- nós somos os decifradores
dos mistérios do sofrimento!
E morram apertando as mãos
as esmeraldas que mentiram
na febre de Fernão Dias Pais Leme.
Eu sei fazer os povoadores da solidão.
Tive lições de milagres
aos pés de Deucalião e Pirra:
se eu lançar pedras sobre o meu ombro,
elas se transmudarão em homens e mulheres,
que amarão
e povoarão as galáxias
e cantarão hinos de exorcizar o medo
e plantarão sementes
e rezarão missas de agradecer colheitas
e crucificarão deuses
e criarão vacas
e terão a vontade viageira de turismar estrelas
e a vontade miúda de chorar
o amor difícil dos sonetos,
e só assim serão humanos.
eu sei descobrir os povoadores da solidão.
Eles podem não ter massa
nem carga elétrica
nem campo magnético,
como os neutrinos.
Mas eu vou buscá-los
em qualquer ponto do universo,
para os banquetes comemorativos
da glória do meu Rei.
A minha solidão está grávida de mim.
Sou o plenificador
dos espaços e tempos vazios,
porque sou o viveiro
de todas as Histórias dos homens
e de todas as profecias de Deus.

sexta-feira, 19 de março de 2010

“Sob Eros e Thanatos” - Maria do Carmo Fontenelle


Tem razão o ilustre intelectual Genuíno Sales quando, no prefácio do livro em pauta, declara: “Giselda é uma contista de primeira linha, sobretudo por incorporar na alma as grandes virtudes poéticas. Grande poeta não poderia deixar de ser grande contista”.
O pensador inglês Tom Peters costumava iterar: “Se a janela da oportunidade se abrir, não deve baixar a persiana”. Giselda mantém a persiana do triunfo bem aberta, deixando que lucipotentes auras de sabedoria iluminem sua mente. Quanta criatividade! Quanto talento demonstram as narrações arquitetadas pelo mundo ilusório da autora – “Princesa dos Poetas do Ceará”, sagrada por aclamação na augusta Casa de Juvenal Galeno, por iniciativa do memorável escritor Alberto Galeno.
Na seleção da obra para ser utilizada na presente explanação, fiz uma triagem entre 14 exemplares, todos deslumbrantes, em estilos diversos, a saber: “O Liceu e o Bonde” – Blanchard Girão, “Ana Terra”- Érico Veríssimo, “Jardim de Inverno”- Zélia Gattai, “Margarida La Rocque”- Dinah Silveira de Queiroz, “Na Esplanada da História”- Hilma Figueiredo Montenegro, “Eugenie Grandet”- Honoré de Balzac, “Os Escravos”- Castro Alves, “Mulheres Fascinantes”- Léon Tolstoi, “O Fio e a Meada”- Batista de Lima, “Portugal e Brasil – gentes e fatos”- Armando Duarte, “Til”-José de Alencar, “Confronto”- Cláudio Queiroz, “Crítica Reunida” e “Sob Eros e Thanatos”- Giselda Medeiros.
Confesso que não foi fácil. Após rigorosa avaliação, a preferência incidiu sobre o livro “Sob Eros e Thanatos”, de Giselda Medeiros, cujo estudo começará pelo que me atraiu, de imediato, além do conteúdo, o título.
Ao pesquisar sobre ambos os seres mitológicos, tomei conhecimento de que Eros, na mitologia grega, significa “desejo erótico”. Eros era filho de Nix (deusa da noite) e de Érebo, encarregado da harmonia cósmica. Mais tarde, atribuiu-se-lhe, como pai, Zeus, Ares ou Hermes; e como mãe, Afrodite, a Venus romana, deusa nascida da espuma do mar. É representado como um menino alado, munido de arco e flechas destinadas a despertar os ardores da paixão entre os humanos. Thanatos (em árabe quer dizer Antônio). O dicionário mitológico de Nádia Jullien e a Internet afirmam que “Thanatos era um herói hipocorístico, filho de Érebo e Nix (deusa da noite), portanto irmão de Eros e irmão gêmeo de Hípnos –(deus do sono). Thanatos era deus da morte, porém Hades era quem reinava sobre os mortos do submundo. Thanatos era representado como um jovem alado, portando uma tocha apagada, ou como uma nuvem prateada, ou ainda um homem de olhos e cabelos prateados, sendo este bastante utilizado na arte e na poesia”.
À guisa de ilustração, Sigmund Freud elaborou um trabalho sobre a discussão do inconsciente, relatando duas pulsões antagônicas; Eros, uma pulsão sexual, com tendência à preservação da vida, e Thanatos, a pulsão da morte.
Outrossim, o romancista, político e poeta mineiro Darcy Ribeiro, no ano de1998, publicou uma coletânea de poemas eróticos sob o título de “Poesia de Darcy Ribeiro – Eros e Thanatos”.
Quanto à obra ora apresentada tem muito a ver com o título, pois envolve natureza, romance, paixão e sensualidade, a noite e seus mistérios, a plenitude e a complexidade da vida, a melancolia e os desencantos da morte.
Além da originalidade do título extraído da mitologia grega, senti-me atraída pela singularidade dos 37 contos, os quais apresentam uma particularidade: as narrativas, de um modo geral, prescindem dos indesejáveis vícios de linguagem, tão comuns, hoje em dia, que tanto desfiguram o idioma, banalizando o texto.
No mais, devo acrescentar que “Sob Eros e Thanatos” não chega a ser uma obra monumental, “sui generis”, porém é um apanhado de temas de muito bom gosto, pontificados no suspense e no mistério, com pinceladas bem dosadas de romantismo e humor. Na verdade, o suspense e o mistério estigmatizam a obra em causa, revelando características que nos levam a momentos delirantes, plenos de suposições míticas e conflituosas. Há ocasiões em que o leitor vacila entre a espiritualidade milenar e a parapsicologia moderna; a ficção e os mistérios do além. Em suma, trata-se de um livro interessantíssimo! Nele fundem-se a densidade lírica do poeta, as maravilhas da natureza e o fascínio pelo quimérico, fatores esses que têm o dom de transportar-nos a vetustos casarões mal-assombrados... a estórias de Trancoso narradas no alpendre, em noites de luar, a costumes e hábitos campesinos vividos em épocas remotas.
Justo será mencionar que, na referida obra, percebe-se certo apuro com a norma culta do nosso idioma, requinte esse que a autora, sabiamente, intercala com jocosas frases de cunho popular, incluindo outros brasileirismos. Destaque para o significativo número de citações filosóficas e até bíblicas contidas na presente obra. Por exemplo: “O amor é a oportunidade única de sazonar, de adquirir forma, de nos tornarmos um universo para o ser amado”; “O homem é forte quando realiza Deus em si”; “A morte não é difícil. Difícil é a vida e o seu ofício”; “O que o homem gasta em anos para entender, aprende-o em questão de instantes de dor”; “O mar é mesmo um touro azul por sua própria sombra”;“O homem é nada comparado ao infinito e é tudo comparado ao nada”; “As estrelas nascerão. Nascerão e brilharão como os olhos das crianças”.
Numa linguagem experimental, a autora discorre sobre assuntos variados, deixando ao leitor a faculdade de deliciar-se ao derramar, suavemente, torrentes de indagações que tão bem caracterizam o suspense. Exemplifiquemos: O conto “A Pousada”- página 9, encerra algo fantasioso e, até certo ponto, aterrorizante. Dependendo do grau de sensibilidade do leitor, causará arrepios a aparição do enigmático camafeu...
Nas páginas 13,18,21,29,32,38 e 39 encontraremos: “A Casinha da Esquina”, “A Confidência”, “ A Fogueira”, “A Lagoa”,”A Pescaria”, “A Serpente” e “A Vingança”. Todos são provenientes de uma imaginação privilegiada; vale a pena lê-los. São contos atraentes e hilariantes, sobretudo “A Serpente”, o qual provoca um misto de comiseração e risos, se levarmos em conta a “santa” ingenuidade da “coitada” da D. Marocas... Enquanto os contos “A Visita” e “Passado Azul” sugerem algo a ver com a teoria da metempsicose. Vejamos: “Na manhã seguinte, o relógio apertado em minha mão e a lembrança de uma lágrima queimando-me”; “Aquela foi a última vez que vi papai”.
Ao lermos os contos “A Fogueira” e “A Lagoa”, deparamo-nos com o conhecido fenômeno do “déjà-vu”, que consiste no fato de ver-se, pela primeira vez, um determinado local e ter-se quase certeza de havê-lo visto anteriormente.
Vejamos o 9º parágrafo da página 61, em que a autora nos traz uma mensagem de carinho e solidariedade, uma verdadeira lição de vida, ao dissertar sobre determinada ajuda concedida a um frágil e indefeso rouxinol, quando a personagem reflete: “Que importância teria um rouxinol neste imenso vale de sofrimentos? Tem sim, é uma voz a menos para espalhar a beleza, a ternura e a poesia”.
Além dos contos mencionados, todos os demais merecem nossa atenção, em particular os das páginas 100 e 104. Asseguro-lhes que, em matéria de ficção, são realmente extraordinários. Enfim, todas as narrativas são muito bem elaboradas. Na maioria das vezes, a ficção se confunde com a realidade. E por aí vai o oceano exuberante de fatos pitorescos, emoções, mistérios e encantos que fazem de “Sob Eros e Thanatos” uma obra versátil, amena, cativante, aconselhável a quase todas as idades.

(Policromias 5º volume)

domingo, 14 de março de 2010

CORAÇÃO OBSCURO - Evan Bessa


A noite, o pavor me assalta
Fantasmas espremem minha dor
E mistérios reaparecem em flashs.
No escuro, trituro o dissabor.

Uma luz adentra o quarto da minh’alma
Mas não chega ao coração obscuro
Há em mim uma escuridão profunda
Que permeia meus tecidos duros.

Meus sonhos são mosaicos partidos
Trincados, em cacos, resistentes
Em minha volta só há melancolia
O sofrimento me deixa impertinente.

Ao raiar o dia estou angustiada
No íntimo não há luz, só sombra.
O sol aquece o corpo doído, inerte
E a dor insiste, resiste e assombra.

DIA NACIONAL DA POESIA - Homenagem a todos os Poetas!


A POESIA
Giselda Medeiros

Penso no poema,
e ela me vem,
a Poesia,
das profundezas de sua carne
macia e verde
com seu ruflar de asas de mel
e de arminho.
Esgueira-se buliçosa
no sótão de minha vida
qual furacão
de sons e de palavras,
metáforas azuis, a entreter as chamas
da agonia.
E ei-la aprisionada nos domínios
do poema
açoitada pelos ventos
que trouxeram de ti
a essência da paisagem
de tua alma.

(do livro Tempo das Esperas)

quarta-feira, 10 de março de 2010

FILGUEIRAS LIMA - O EDUCADOR E O POETA - Neide Freire


Antônio Filgueiras Lima, natural de Lavras da Mangabeira, histórica cidade do interior cearense, nasceu aos 21 de maio de 1909. Filho de Silvino Filgueiras Lima e Cecília Tavares Filgueiras: menino ainda descobriu seu destino de poeta: “Um dia olhei o céu, longe as estrelas / E eu tive uma vontade imensa de colhê-las / Estava desvendado o meu destino”.
Mas que vem a ser um poeta?
Poeta é aquele que, tendo a alma iluminada, é capaz de descobrir a beleza oculta nos velhos quadros da vida e transmiti-las num eflúvio de encantamento.
Talvez por um fio dourado desse encantamento, veio Filgueiras Lima a ser uma estrela, cuja cintilação de primeira grandeza, passados tantos anos de sua ausência, ainda ilumina o universo cultural do Ceará.
Mas, em seu fadário de poeta, estava uma outra destinação: o amor pedagógico que o comprometeu com a causa da educação no Ceará.
Em 1931, por concurso, efetivou-se no cargo de Inspetor Regional do Ensino, marco inicial da longa lista de suas atividades em favor da educação. Entre outros cargos de relevantes valores, foi Diretor de Instrução e Inspetor do Ensino Normal.
Concorrendo em disputadíssimo concurso, em 1933, classificou-se em primeiro lugar, conquistando a cadeira de Didática da Escola Normal Justiniano de Serpa, equiparada ao Colégio Padrão, Pedro II, no Rio de Janeiro, e, atualmente denominada Instituto de Educação. No ano anterior, isto é, em 1932, publicara seu livro de poesias “Festa de Ritmos”.
Orador, conferencista requisitado e aplaudido, indicado pelo Governador do Estado, representou o Ceará nas festas inaugurais do Edifício da Gazeta de São Paulo, pronunciando na ocasião eloqüente conferência sobre o célebre escritor cearense José de Alencar, considerado o pai do romance brasileiro.
Intelectuais paulistas pronunciaram-se em louvor à aludida conferência, sobressaindo-se o jornalista Plínio Cavalcante que assim se expressou: “Sobre a inteligência da terra mais brasileira do Brasil, nada direi, porquanto a palavra brilhante de Filgueiras Lima, ontem se revelou a São Paulo como fulguração de sua mocidade e harmoniosa beleza de sua poesia forte”.
O menino que, segundo o pai, “nascera para estudo”, projetou-se em seu tempo, pela dignidade de seus atributos cívicos e morais, evidenciado na urbanidade solidária de seu trato social, no fulgor de sua inteligência inteiramente voltada para seu misto de ideal de poeta e educador.
Vem à luz da publicidade, em 1944, seu livro intitulado “Ritmo Essencial”.
Diferente do clássico poeta cearense José Albano, que afirmou “Poeta fui e do áspero destino / Senti bem cedo a mão pesada e rude”/, Filgueiras Lima foi o poeta do ritmo e da alegria. Aprendeu bem cedo o “Ritmo Essencial” de seu jardim de “eternas rutilâncias” e promoveu a “Festa de Ritmos”, tirando da pauta musical da existência a fascinante beleza que envolve sua “Terra da Luz”.
“O sertão todo em flor esplende e cheira” assim legando aos pósteros o perfume lírico que ainda se exala de seu “Jardim Suspenso”.
Portador de inúmeros diplomas, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Estado do Ceará, não lhe seduzia o brilho solferino do anel nem a sisudez da Toga, mas optou pelo magistério obedecendo aos ditames de sua vocação cuja autenticidade revelou em apenas cinco palavras: “Fiz-me professor, nasci poeta”.
Admirável simbiose que festejou em versos “o ritmo essencial das “cousas límpidas e raras” que borbulhavam em sua alma de esteta unindo-as em mesmo ideal.
Tal o Midas mitológico cujo toque tudo transformava em ouro, nosso poeta que adorava os “céus azuis e as águas claras”, por descobrir a beleza de seu jardim de “excelsas rutilâncias”, tudo transformou em poesia inspirada e bela como no soneto “Samaritano”, ao louvar o amor: “Inda lhe sinto os cálidos ressábios / Foi o vinho do amor que me serviste / No cântaro rosado de teus lábios”.
Em “Desespero”, focaliza em versos doridos a terra natal na ocorrência cícicla que a flagela: “O sol caustica a face morena do sertão / A gente olha a estrada lá longe, / Numa curva distante do caminho / A caravana de párias nômades aparece”.
Em “Peregrino”, o Poeta descreve a trajetória ansiosa do viandante na busca ilusória do “aroma das cousas que não passam” “da água viva das fontes que não secam nunca”.
E, nessa busca incansável do absoluto, o poeta adentra o mundo da escola e faz de sua cátedra um genuflexório e diz: “Ensino como quem reza”.
Dessa devoção acendrada, emerge o compromisso do poeta com a escola.
Chega ao Ceará, em 1922, o pedagogo brasileiro Manoel Bergstron Lourenço Filho, adepto das idéias inovadoras pregadas pelo pedagogo e filósofo americano John Dewey.
O educador cearense adere à nova pedagogia e torna-se um paladino apaixonado do movimento, que ficou conhecido como Escola Nova, o qual correspondia perfeitamente ao ideal de ensino, porquanto considerava a escola daqueles dias, inoperante, retrógrada, estática, incapaz de suprir o aluno com a formação necessária a torná-lo participante útil de uma sociedade em evolução.
Embora sua esmerada formação sociopedagógica, Filgueiras Lima que, bem poderia ser contado entre os mais conceituados pedagogos brasileiros, como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Sul Menucci e outros, não foi um teórico da educação.
Associado ao jornalista, e depois deputado, Paulo Saraste, em 1938, abre as portas de seu recém-fundado Instituto Lourenço Filho, implantado sob os ditames filosóficos da nova pedagogia que ficou conhecida como Escola Nova ou Escola ativa, na qual, em torno do aluno e não do programa, giravam as atividades escolares.
O professor Filgueiras Lima realizou, então, no Ceará, a verdadeira Revolução Copernicana do ensino preconizada pelos mestres da moderna ciência pedagógica.
O Instituto Lourenço Filho, hoje Faculdade Lourenço Filho, é o atestado fidedigno do espírito empreendedor, desassombrado, do mestre, e do amor que dedicou à sua terra e à sua gente.
É a comprovação do sonho do poeta que fez da sala de aula o seu mais vibrante e eloqüente poema.
Recordá-lo, nesta data comemorativa do centenário de seu nascimento, rememorar o labor de sua vida dedicada à educação parece-nos ouvir, vindos de longe, no rolar do tempo, sussurros dos antigos sábios, mestres da filosofia que fez da Grécia “a mestra perdurável do pensamento humano” e levaram o poeta professor a exclamar de si mesmo: “Sou um grego de tempos esquecidos”.

(Trabalho apresentado na reunião da AJEB, dia 19 de maio e 2010, por Neide Freire, em comemoração do centenário de Filgueiras Lima).

domingo, 7 de março de 2010

A UMA CERTA MARIA - NILZE COSTA E SILVA


Quero falar de uma Maria
Ausente, escondida
feito coruja nos campos
rasga mortalhas das noites
distante do mundo
sem saber ler nem escrever seu nome

Em sua infância tão pobre
um amiguinho invisível ensinou-a a inventar brinquedos
amarelos, verdes, azuis...
Eram brinquedos tão lindos!
Ninguém, senão Maria, tinha aquele privilégio
de brincar com o menino Jesus

Mas um dia Ele partiu...
deixando-a envergonhada de ter crescido assim
com uma sina obstinada, tatuada, corpo e alma
para levar a mensagem ao povo de Juazeiro
Teve chagas pelo corpo
teve a boca alagada do sangue da hóstia consagrada
O sangue corria dos lábios, pela língua e pelas mãos
pelos paninhos brancos que o padre limpava o chão

Maria de Araújo!
Quem te fez assim tão forte
Sozinha na noite escura da cidadezinha pobre
desalentada, desacreditada pela Santa Inquisição?

Ah, essa Maria de tantas dores...
Insubmissa às leis humanas
deu comunhão a dois padres da primeira comissão
Insultada, perseguida pela Igreja arrogante
que não acreditava que Deus amava aquela mulher
pobre, negra e analfabeta.

O bispo não concebia que o divino condenava
a tripla discriminação
e escolheu a beata, chamada Maria de Araújo
pra transmitir ao seu povo sua mensagem de amor
como escolhera outrora
os tão pobres pescadores
homens analfabetos que se tornaram apóstolos
da fé que Jesus pregou

A beata do milagre afrontou a arrogância
da segunda comissão
E quando foi inquirida e lhe dada a hóstia na boca
falou com toda ousadia:
“Jesus Cristo tá dizendo, que a hóstia não sangrou
pois os padres da comissão não estão em estado de graça
pra me dar a comunhão”

Por isso foi torturada,
Presa na sozinha cela da Casa de Caridade
Ao voltar pra sua terra
Morreu triste e esquecida
Sem véu, sem nome, sem lar
Padre Cícero ordenou dar-lhe enterro merecido
Mas mesmo depois de enterrada
ainda foi injustiçada
Teve o túmulo violado
como quem nunca nasceu
Mas um dia Juazeiro vai lembrá-la com amor
e dar-lhe a paz merecida
sabendo que Jesus Cristo
amou aquela mulher ousada e destemida

Que assim seja!

terça-feira, 2 de março de 2010

O Pulo do Gato - Cláudio Queiroz


O velho resmunga sons ininteligíveis de desagravo quando a mosca lhe roça o bigode e nariz.
Aborrecido, muda bruscamente de posição. Agora, de bruços, volta a dormir suavemente, sob o afeto de uma ligeira brisa que sopra da janela, afagando-lhe os cabelos.
O ambiente era de tranqüilidade. Bastava-se observar a decoração bem típica dos aposentos de um homem já velho e solitário: um precário guarda-roupa de duas portas, uma cadeira de balanço apinhada de roupas já usadas e alguns livros. Na parede, fronteiriça à janela, à direita da porta de entrada, um quadro de moldura, já em adiantado estado de uso.
Dizia-se que fora o velho Ezequiel, tipógrafo, aposentado do Estado, ele próprio, o pintor do quadro, no qual podia-se observar um casal risonho, ele ajudando a sua jovem companheira a transpor um pequeno riacho que corria entre pedras.
Novamente, o velho Ezequiel volta a se agitar na cama. Com isso, o gato mourisco, que dormitava em cima do guarda-roupa, levanta a cabeça, atento, bigodes em posição de alerta.
Agora, o ex-tipógrafo dá mostras de impaciência. Dormira após penosa luta com o gato que, ultimamente, teimava em viver em sua companhia. Odiava aquele felino de olhos amarelos “tipo do sujeito bilioso e mau”, como murmurava.
Deitara-se, afinal, cansado da perseguição, ainda mais sob o efeito da lembrança de que, somente dali a dez dias, receberia seu minguado dinheiro.
Sonha, agora, que dois oficiais de justiça retiram da parede o seu valioso quadro. “Para pagar aos devedores”, diz um deles, rindo do desespero que o domina.
O pesadelo desperta-o bruscamente. Aos 68 anos e com sério problema de coluna, entende-se quão doloroso é um levantar rápido.
A mão ainda trêmula tateia em busca de seus óculos. Ergue-se e, às apalpadelas, dá com o pé no urinol provocando um ruído desagradável.
Resmunga zangado, aborrecimento que logo se transforma em ódio, quando, profusamente, vê o gato pular do guarda-roupa e cair-lhe em cima da cama.
Numa agilidade humilhante, o animal parece debochar dele, os olhos satanicamente piscando com ironia.
O ex-tipógrafo, ainda atordoado, procura, ansioso, ver o seu quadro. Adianta-se e, com sofreguidão, vai de encontro ao seu odiado inimigo que pulara diante dele. O velho solta uma imprecação de desespero, enquanto suas mãos agitam-se no ar, tentando, em vão, agarrar-se a algo. Não obtendo o equilíbrio e, ante a iminência da queda, volta a olhar a parede em busca, de ali, ver o quadro, para ele, de valor inestimável.
Mas, o tombo foi desastrado. O homem bateu feio com a testa na cadeira, indo rolar, gemendo, no piso da sala.
Choramingando baixinho, leva a mão ao rosto, pressentindo que estava ferido. E, com dedos trêmulos, apalpa dolorosamente os fragmentos estilhaçados dos óculos, que alçara à testa, minutos atrás.

segunda-feira, 1 de março de 2010

RASGANDO A FANTASIA - Heloísa Barros Leal


QUERIDA RAQUEL

smileys falando


Hoje, ao acordar após mais uma noite de insônia e da nossa conversa sobre as nossas vidas, as nossas escolhas, algo adormecido, lá no fundo, também despertou. Foi então que constatei, querida amiga, que tenho vivido todos esses longos anos num espetacular baile de carnaval, cercada de vultos fantasiados e mascarados, representando cada um deles os meus desejos ocultos e todas as minhas mais loucas fantasias. O pior foi a conscientização tardia de que eu mesma, na minha louca imaginação corroída pelo romantismo, patrocinei com fantasias este baile.
Aos poucos, ainda meio sonolenta, vejo através das máscaras as minhas fantasmagóricas ilusões circulando freneticamente ao meu redor, na forma de figuras carnavalescas, derramando sobre mim as mais variadas iguarias, enquanto ouço o tilintar de taças de vinho sobre a minha cabeça como numa festa de BACO, num último brinde à minha estupidez...
O que se pode fazer quando se chega ao patamar da vida e se depara com a certeza de que viveu mergulhada num mar de fantasia, mentindo para si mesma e se convencendo de alguma coisa que só existia na sua tresloucada cabeça? E que essa constatação começa a lhe corroer e a destruir tudo aquilo em que passou, a maior parte da vida, acreditando, regando e, acima de tudo, cultivando? O que faria você? O que faria?
Grito, aos quatro ventos, buscando ansiosa uma resposta que me conforte, que me dê forças para terminar minha jornada sem tanta amargura, mas não encontro resposta ao meu pedido de socorro.
Em principio, achei que as pessoas não sabiam ser solidárias e não estavam nem aí para se comoverem com a dor dos outros. Radical demais! Depois, outro pensamento me ocorreu. Não seria por que, como eu, elas se faziam a mesma pergunta? Passaram ou estariam passando pelos mesmos problemas que eu e, também, se perguntavam a mesma coisa e não tinham resposta? Quem sabe?!
Mas, hoje, depois de todas estas reflexões, resolvi num ato heróico terminar este baile, rasgando minha fantasia. Tenho certeza de que outros bailes virão, que vestirei outra fantasia, mergulharei em um outro sonho, pois não conseguiria viver sem sonhar, sem fantasiar, já que isso enche de colorido as nossas vidas. Não tenho certeza absoluta, já que é muito tênue a linha que separa o real do imaginário, mas procurarei, da próxima vez, ter mais cautela na organização do meu futuro baile, e me fantasiarei de EVA. Assim não há perigo de, mais uma vez, rasgar a fantasia.

Com carinho,

Maria Eduarda