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terça-feira, 6 de abril de 2010

A VISITA - GISELDA MEDEIROS


Era de uma beleza estonteante a várzea por onde íamos sendo levados. O trepidar do carro sobre os pedregulhos da estrada dava-nos a sensação de galope. E galopávamos já de felicidade. As recordações do dia em que tomamos conhecimento da decisão de papai em levar-nos para um internato iam-se volatizando à proporção que desfrutávamos aquela alegre paisagem. As lágrimas derramadas no momento da separação evolavam-se, ao ritmo do vento, que batia forte sobre o carro e penetrava, furioso, despenteando-nos os cabelos. Hoje, penso como é fácil para a gurizada enfrentar certos problemas e refazer-se inteiramente. Ali, já não nos importava a privação das brincadeiras no imenso quintal de nossa casa nem a saudade das histórias de monstros e duendes que nos contava a preta Benedita, no assustado alpendre, ao clarão da lua cheia. Os banhos divertidos na lagoa. A fuga para a cachoeira encantada. As poucas brigas que, paradoxalmente, nos faziam mais irmãos. O medo nas noites de tempestade. As arapucas colocadas às escondidas. Os castigos severos de papai. Tudo ia ficando para trás, na distância da estrada da vida. Contudo, sentíamos que, dentro de nós, aquilo tudo estava marcado como tatuagens que a vida imprimiu em nós, mesmo sem lhe concedermos permissão.
Papai dirigia sério e taciturno. Aliás, fora sempre assim. Nem um de nós, nunca, ousou desafiá-lo. Quando se calava, era sinal de que queria obediência. Ah, já não existem mais pais como o senhor Raul Moreira de Andrade! Sentíamos orgulho dele. Íntegro. Disciplinador. Um patriarca autêntico.
O carro apalpava as pedras e trepidava dentro de nós. Olhávamos para todos os lados com a indomabilidade de olhos ávidos. Sorríamos. Cantávamos. E papai sério. Lembro-me bem de que o senti triste demais e vi deslizar, tímida, uma lágrima sua. Mal notou-me olhando-o, puxou o lenço, passou-o sobre a testa e, discretamente, enxugou a face.
- É bom fecharmos os vidros. Há muita poeira na estrada.
Mas, eu sabia que disfarçava. Não queria demonstrar o que para ele seria uma prova de fraqueza. Agora, compreendo aquela lágrima calada, que tudo dissera. Ela arde ainda dentro de mim, como se fora uma chama sagrada, alimentando-me o amor, este sentimento capaz de vivenciar o possível e o impossível na história da humanidade. Este amor que constrói, que multiplica, que transcendentaliza.
Dali em diante, não pude mais cantar. Juninho, Daniel e Flávio continuavam tagarelando, alheios à realidade que me apertava, que me oprimia, e para a qual eu não tinha explicação. Só por que pressentira aquela lágrima?! Hoje, sei bem que a vida não nos explica nada, porque a explicação está dentro de cada um de nós. Ela apenas nos prepara o terreno para a semeadura e, quando estamos prontos, é feito o plantio. E eu estava sendo amainada para a colheita da dor.
Enfim, chegamos. A Escola Santa Teresinha parecera-nos simpática. Um prédio amplo, com extensas áreas arborizadas. Um pátio enorme convidava-nos ao lazer. Já imaginávamos as brincadeiras, os jogos, as conversas com novos colegas à sombra daquelas árvores discretas, cujos troncos bordados com corações traspassados por flechas pareciam enormes deuses a proteger aquelas paragens.
Uma religiosa, de sorriso austero, veio receber-nos e nos encaminhou à sala da Madre Superiora. Esta, após perscrutar-nos, com seus olhos de análise, por cima de uns óculos dourados, mandou que sentássemos. Papai nos apresentou, um por um, caracterizando-nos detalhadamente. Enquanto falava, eu o olhava com uma ternura tal que cheguei às lágrimas. Ali, na imaturidade dos meus doze anos, pude experimentar um sentimento inusitado que, àquela época, não sabia como defini-lo - a saudade . E, fora, na antecipação desse ritual, que chorara. Não pude conter-me, quando papai despediu-se e pôs em minha face o mais saudoso de todos os beijos.
- Virei logo vê-los. Logo, logo. Comportem-se e cuidado com a saúde.
Acompanhei o talhe fino e esbelto de papai, até desaparecer no final de um corredor que dava para a saída. Vi-o seguir firme, sem voltar-se, resoluto, imprimindo naquele chão de passos solitários as pegadas de seu caráter, como a nos dizer: “Sigam-nas”.
Adaptamo-nos logo aos moldes disciplinares do colégio, embora carregássemos na alma uma aflição inexplicável. A educação recebida no lar fora a base sólida para aquela rápida acomodação. Éramos tido como exemplo de disciplina. Ah, papai, quanto orgulho de você!
No entanto, o fato mais importante desta nossa história, caro leitor, aconteceu logo na quarta semana subseqüente à nossa chegada ao colégio. Lembro-me bem. Eu estava semi-acordada. Acabara de ler o conto “O Milagre” que a professora nos dera como atividade e, sob o impacto do misticismo de seu desfecho, tentava, ainda que sonolenta, entender-lhe a mensagem. De repente, a porta do quarto ilumina-se e, do clarão, surge a figura impoluta de papai. Na face, a lágrima da estrada. Sem dizer palavra alguma, entrega-me seu relógio de algibeira. E, antes que pudesse abraçá-lo, desfaz-se em penumbra. Esfrego os olhos atordoada. Sou vencida pelo sono.
Na manhã seguinte, o relógio apertado em minha mão e a lembrança de uma lágrima calada, queimando-me.
Aquela foi a última vez que vi papai.

(SOB EROS E THANATOS)

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